quinta-feira, maio 08, 2008

Cícero Dias

Ambientada no universo sertanejo da seca e da catinga, "Morte" ilustra a realidade do homem posto à margem da sociedade moderna e urbana que se consolida na época. Datada do mesmo ano em que ocorre a primeira exposição de Cícero Dias no Rio de Janeiro, então capital da república, em 1928, a obra sintetiza a preocupação modernista em trazer à tona o Brasil posto à margem, se utilizando da inspiração formal herdada das vanguardas européias. Em resposta a representação de um país que caminha para o progresso, especialmente Rio e São Paulo, Cícero retrata a morte como elemento do cotidiano do caboclo, no interior do país, oposto ao Brasil desenvolvido do litoral. O regionalismo do pintor pernambucano está não só na escolha do tema, como também no uso dos tons e figuras que formam o em torno. O verde do mandacaru, o vermelho do sangue e o negro-mulato da pele são extraídos da própria paisagem. A mulher exposta de forma sensual e as flores que voam do carrinho do menino ao fundo são alguns dos elementos que quebram com a pesada carga emocional do tema da morte. Por outro lado, proporcionam à obra uma leveza poética e inocente, como aquela presente em um sonho. A escolha de traços infantis e pouco elaborados também colaboram para um resultado comovente e quase esperançoso diante do avanço dos pássaros negros
A mulher, sempre presente em Cícero Dias, adquire nesta obra um aspecto especialmente lírico e sedutor. A figura do violão, instrumento de formas sinuosas, reforça a presença feminina. O clima erótico faz com que o soldado flutue entre os elementos provincianos que integram a paisagem. A presença característica das cores tropicais, de intensa luminosidade, concede ao quadro uma sensualidade implícita, tipicamente brasileira. O resultado é a criação de um ambiente de sonho, quase de adolescente, onde as notas musicais parecem envolver a todos que compõem a cena. O uso de traços primitivistas, quase infantis, acrescenta o clima de ingenuidade expressado nesta obra. Todos estes elementos fazem com que o artista seja comparado com os surrealistas, e chamado "o Chagall dos trópicos". Principalmente quando aborda os temas da juventude com erotismo, beleza e simplicidade, Dias exprime seu surrealismo autóctone.
C.A.A. - MAC USP

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Cicero dos Santos Dias (Escada PE 1907 - Paris França 2003). Pintor, gravador, desenhista, ilustrador, cenógrafo e professor. Inicia estudos de desenho em sua terra natal. Em 1920, muda-se para o Rio de Janeiro, onde matricula-se, em 1925, nos cursos de arquitetura e pintura da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, mas não os conclui. Entra em contato com o grupo modernista e, em 1929, colabora com a Revista de Antropofagia. Em 1931, no Salão Revolucionário, na Enba, expõe o polêmico painel, tanto por sua dimensão quanto pela temática, Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife. A partir de 1932, no Recife, leciona desenho em seu ateliê. Ilustra, em 1933, Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (1900 - 1987). Em 1937, é preso no Recife quando da decretação do Estado Novo. A seguir, incentivado por Di Cavalcanti (1897 - 1976), viaja para Paris onde conhece Georges Braque (1882 - 1963), Henri Matisse (1869 - 1954), Fernand Léger (1881 - 1955) e Pablo Picasso (1881 - 1973), de quem se torna amigo. Em 1942, é preso pelos nazistas e enviado a Baden-Baden, na Alemanha. Entre 1943 e 1945, vive em Lisboa como Adido Cultural da Embaixada do Brasil. Retorna a Paris onde integra o grupo abstrato Espace. Em 1948, realiza o mural do edifício da Secretaria das Finanças do Estado de Pernambuco, considerado o primeiro trabalho abstrato do gênero na América Latina. Em 1965, é homenageado com sala especial na Bienal Internacional de São Paulo. Inaugura, em 1991, painel de 20 metros na Estação Brigadeiro do Metrô de São Paulo. No Rio de Janeiro, é inaugurada a Sala Cicero Dias no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA. Recebe do governo francês a Ordem Nacional do Mérito da França, em 1998, aos 91 anos.

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1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

eu não consigo ver uma obra do cícero dias sem pensar no chagall.

27 dezembro, 2008 11:07  

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