Conversas com Cortázar
Este livro é uma série de entrevistas, melhor dizendo e respeitando o título, é uma conversa entre dois amigos, o repórter uruguaio Ernesto Gonzáles e Cortázar, traduzido por Luís C. Cabral e prefaciado por Eric Nepomuceno.
Na primeira parte Cortázar fala da experiência européia, da vida de expatriado, da solidão e do significado disso para a sua produção literária. Os críticos argentinos, por muitos anos, o trataram como ‘escritor afrancesado’, ‘franco-argentino’, para o autor essa distância do país, muito ao contrário do que diziam, foi positiva para ele e para a literatura do seu país. Afinal de contas ele estava escrevendo em castelhano e ‘olhando diretamente para a América Latina’. Cortázar não aceita o que chama de ‘localismo’, ou seja, exigir de um escritor que permaneça no seu lugar de origem ou ser criticado em função do local o que não justifica o valor de uma obra e finaliza o assunto com a frase: “Para mim, os verdadeiros escritores são como caracóis – carregamos a nossa casa nas costas.” (p.18)
Na segunda parte o escritor fala sobre sua obra, o tempo que levou para publicar e, mais precisamente, sobre o gênero conto, o qual compara a uma esfera. “É uma coisa que tem um ciclo perfeito e implacável.”(p.28). Um assunto interessante abordado ainda nesta parte é a questão do duplo, tema recorrente na obra de Cortázar. “Ele se manifesta em muitos momentos de minha obra, separados por períodos de muitos anos.” (p.31) Diz que muitas vezes está escrevendo a história e nem se dá conta de que o duplo está presente, como em O Jogo da Amarelinha, “não percebi em nenhum momento que na figura de Talita se repetia a Maga.” (p. 31) O duplo o persegue para além da produção literária, conta uma experiência de ‘desdobramento’ que viveu uma vez quando andava numa rua de Paris e afirma também que Charles Baudelaire era o duplo de Poe, como prova cita a ‘correspondência temporal muito próxima’, a obsessão brusca de Baudelaire por Poe, a semelhança física, “se você pegar as fotografias mais conhecidas de Poe e de Baudelaire e colocá-las lado a lado, notará a incrível semelhança física que há entre eles.” As “coincidências psicológicas acentuadíssimas. O mesmo culto necrófilo, os mesmos problemas sexuais, a mesma atitude diante da vida, a mesma imensa qualidade poética.” (p.34)
Na terceira parte discorrem sobre o fantástico, Cortázar se diz insatisfeito com a definição de Todorov em L’introduction au fantastique, mas afirma que ele mesmo desistiu de definir o fantástico e diz ainda que não tem nenhum interesse pelos contos de Lovecraft, “me soam inteiramente fabricados e artificiais.” (p.36) O escritor fala também do seu lado pueril e da importância que teve para ele e leitura de Peter Pan, “coincidia com essa espécie de assimilação do personagem que eu acabei fazendo para sempre.” E depois discorre sobre as crianças e animais nos seus livros e na sua vida. A palavra jogo, relacionada ao universo infantil, está presente em muitos de seus títulos, nos contos ou na idéia deles: O Jogo da Amarelinha, Final de jogo, 62 – Modelo para armar. A literatura é um jogo, “o mais sério de todos.”(p.44)
A quarta parte é dedicada sobretudo à discussão de O Jogo da Amarelinha, uma de suas obras mais revolucionárias. O livro é, segundo o autor, um ajuste de contas e pode ser considerado autobiográfico, ali ele questiona tudo, compatriotas, família, amigos e a si mesmo. Afirma ainda que se tivesse ficado na Argentina não teria escrito este livro, o que o motivou foi o “choque brutal proporcionado por uma realidade muito diferente. A realidade européia deixou meu chão ensaboado, me tirou do lugar.” Para escrever o Jogo da Amarelinha Cortázar não seguiu nenhum plano, mas havia uma ordem, ‘a ordem evolutiva de Oliveira com a Maga.’ E há muito mais neste capítulo sobre a concepção de Amarelinha, o envolvimento que exige do leitor, os capítulos ‘prescindíveis’, o final aberto, as respostas dos leitores.
Na quinta parte discorrem sobre a linguagem e escolha dos temas. São os temas que o escolhem, diz Cortázar, ‘caem em cima de mim.’ A sexta parte é dedicada a um assunto de extrema imprtância para o autor, a música. Ele chega a afirmar que se pudesse escolher entre literatura e música, teria escolhido a segunda, mas faltava-lhe o talento. Fala da riqueza do jazz e da pobreza do tango, ‘O mundo do tango é pequeno e limitado, assim como Buenos Aires é uma cidade pequena e limitada com relação ao resto do mundo'. Finalizam essa parte com uma pequena observação sobre os posicionamentos políticos de Jorge L. Borges, tão distantes dos de Cortázar.
A sétima parte é quase integralmente dedicado ao homem politico, Perón, Cuba, Chile, literatura e política e à discussão de O livro de Manuel. Na oitava e última parte voltam à literatura e fantástico. Seria Cortázar realmente um escritor fantástico? O que significa para ele ‘ser escritor’?
É uma conversa que vale a pena. O leitor, sobretudo aquele que conhece um pouco de Cortázar (e para os que não conhecem este é um bom começo) não se decepcionará. Além de inteligente, o escritor é extremamente cortês, raramente responde por uma negativa, procura sempre dar ênfase às observações do seu interlocutor e responder de maneira satisfatória às perguntas. Se acha que saiu do assunto tenta retomar em seguida.
É um livro pequeno, 127 páginas, mas é uma conversa de peso.
Marcadores: Leila
5 Comments:
Não li este livro que você menicona. Mas em "Valise de Cronópios", Cortázar também fala sobre os temas que nos escolhem, histórias que se contam a si mesmas. É como me sinto ao escrever, um personagem me busca e começa a contar sua história. Quando isso acontece, sei que estou no caminho certo, pois todas as vezes que tentei impor um tema a mim mesma, fui incapaz de concluir a obra.
Oi, Vera,
Está feita a mudança (pelo menos no Riobaldo & Diadorim, no Sarapalha e no Almanaque ainda falta fazer). Aproveitei e linquei o seu fotoblog no meu (http://cinemaparadiso.nafoto.net).
Beijos livrescos.
Tristão
Essa história de duplos literários é interessante. Sabia que Cervantes e Shakespeare nasceram na mesma data? Mas como a Inglaterra e a Espanha usavam calendários diferentes, não foi no mesmo dia.
De Cortázar, li apenas alguns fragmentos de VALISE DE CRONÓPIOS (emprestado pela Sonia) e OCTAEDRO: oito histórias que investigam o sentido da vida e a essência do ser.
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