segunda-feira, junho 12, 2006

Todos os homens são mortais

Simone de Beauvoir

Editora Nova Fronteira

Tradução de Sérgio Milliet


Quando eu era adolescente achava que deveria ser muito bom jamais morrer. Quanto não se poderia ver, aprender, conhecer com uma vida sem fim? E quantas existências dentro da mesma vida poderíamos ter!... Seria a perfeição.
Nada mais falso. Quando li Todos os homens são mortais, mudei completamente minha forma de ver o mundo e de encarar a trajetória do homem neste estranho planeta chamado Terra.
Bastante diferente dos Highlanders que o cinema e a TV difundiram mundialmente, Raymond Fosca, o herói do livro de Simone de Beauvoir, é realmente imortal — ele não deixa de existir quando tem sua cabeça decepada. Se assim o fosse, não teria hesitado um minuto sequer em decepá-la ele próprio.
A Segunda Guerra Mundial fez com que tudo fosse examinado e revelou um aspecto terrível do homem. Para Beauvoir, os homens se definiam pelos seus corpos, suas necessidades, seu trabalho, e só o romance permitia evocar "na sua verdade completa, singular e temporal, a fonte original da existência".
Quando escrevia Todos os homens são mortais, de 1943 a 1946, Beauvoir atravessava um período que a incitava ao pessimismo: a guerra, a Ocupação, a morte dos seus amigos na Resistência, os crimes de guerra, os campos de concentração, a depuração. Ela não via surgir a aurora de uma época mais feliz, e estes milhões de mortos não eram justificados por nenhum progresso para o Bem universal.

Raymond Fosca devia viver eternamente e tentar identificar-se com o universo, agindo sobre ele. Beauvoir imaginou a estranha existência deste homem que continuava vivo, enquanto tudo ao seu redor se aniquilava: seus amigos, seus amores, as instituições, as religiões, as sociedades, as nações. Ao longo do tempo, Fosca descobre que o mundo se resolve em liberdades individuais e que cada uma delas estava fora de alcance. E aprende que a procura do Bem universal leva às perseguições, massacres, destruições e causa a infelicidade, faz surgir o Mal. Ele vê que o Bem não existe como valor universal e que não há senão homens divididos, hostis, exploradores e explorados, conquistadores e conquistados pelos quais nada se pode fazer. Seus grandes sonhos de progresso, de liberdade, se desfazem e ele constata que os homens não querem a felicidade. Apesar da experiência de uma vida várias vezes centenária, apesar do poder que tinha exercido em muitas ocasiões, Fosca não consegue melhorar a vida dos homens, instaurar a justiça e fazer triunfarem a razão e o interesse da maioria. A história se desenvolve e nada progride, a humanidade volta sempre para a violência, a opressão e a injustiça sob todas as formas.
Fosca imerge no desespero porque, no decorrer dos séculos, as infelicidades, os crimes da História recomeçam e se repetem. Sua memória se carrega de horrores e sua impotência o tortura.
Este romance metafísico abrange seiscentos anos e leva o protagonista ao redor da Terra, mostrando que a dimensão dos empreendimentos humanos não é "nem finita, nem infinita, mas indefinida".

Educada no seio de uma família burguesa e católica, Simone de Beauvoir (1908-1986), empenhou-se em desmistificar todos os ídolos que fizeram parte de sua juventude. Viveu em Paris até 1929, quando se licenciou em filosofia pela Sorbone; pouco antes conhecera Jean-Paul Sartre, um encontro decisivo para sua vida. Simone e Sartre formaram uma aliança que durou 50 anos.
Mulher de grande brilho intelectual, inconformista, insubmissa e de personalidade forte, em especial no embate com o bom-mocismo burguês, Simone de Beauvoir abominava o casamento, preferia o trabalho à maternidade e recusava qualquer privilégio que viesse untado do decantado (para ela abjeto) "eterno feminismo".
Em 1943, abandonou o magistério assim que conseguiu publicar seu primeiro romance A Convidada (L'Invitée), uma história indigesta, mesmo para liberais bem-pensantes. Atacada sem piedade inúmeras vezes por causa de seus livros, teve também a admiração de um grande número de leitores.

Wagner Campelo – Por um triz

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Here are some links that I believe will be interested

06 agosto, 2006 13:53  
Anonymous Tatiana said...

Magnífico!
O livro e a resenha! Parabéns!

16 abril, 2011 09:55  

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