Veredas que se bifurcam
No prólogo ao livro Ficções (1944), Jorge Luis Borges escreveu: "Desvario laborioso e pobre o de compor livros extensos; o de espraiar em quinhentas páginas uma idéia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que esses livros já existem e oferecer um resumo, um comentário".
De fato, ele ofereceu resumos e comentários valiosos sobre grandes romances e narrativas, como o Livro das mil e uma noites e Salammbô; comentou a prosa de Joseph Conrad, de Marcel Proust e de tantos outros. E até traduziu Palmeiras selvagens, de William Faulkner. Apesar de não ter escrito um livro extenso, Borges expôs num conto os procedimentos de como não escrever um romance.
O jardim de veredas que se bifurcam (1941) é um breve relato policial. Mas será apenas isso? A trama é ardilosa, e nela aparecem os temas e recursos técnicos borgianos: a citação de textos verdadeiros e apócrifos, uma argumentação sobre o livro e o labirinto, uma sondagem sobre a cultura chinesa, um diálogo entre o Oriente e Ocidente, uma reflexão filosófica...
Como não sou desmancha- prazer, não vou contar o fim, que é surpreendente e um dos mais notáveis da literatura policial.
O conto começa com uma citação de Liddell Hart, um capitão britânico que historiou as duas guerras mundiais e escreveu um tratado sobre estratégia militar. Depois dessa citação veraz, o narrador de Borges transcreve um texto incompleto de um certo Yu Tsun, neto do famoso poeta e calígrafo T'sui Pen. O conto é uma espécie de testamento de Yu Tsun, espião do império alemão. Tsun sabe que está sendo perseguido pelo capitão inglês Richard Madden e que será preso e assassinado; sabe também que, para revelar um segredo do inimigo ao chefe alemão, ele deve encontrar (e matar) Stephen Albert, um renomado orientalista inglês. Por um momento o leitor esquece que está lendo um relato policial. As inquirições são outras, de natureza intelectual e filosófica.
O diálogo entre o Yu Tsun e o sinólogo Stephen Albert discorre sobre a obra de Ts'ui Pen, autor de um livro que é também um labirinto. O trecho a seguir suscita um breve comentário filosófico e um devaneio literário.
Em todas as ficções, cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e elimina as outras; na do quase inextricável Ts'ui Pen, opta - simultaneamente - por todas. Cria, assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam. Daí as contradições do romance. Fang, digamos, tem um segredo; um desconhecido chama à sua porta; Fang decide matá-lo. Naturalmente há vários desenlaces possíveis: Fang pode matar o intruso, o intruso pode matar Fang, ambos podem salvar-se, ambos podem morrer, etc. Na obra de Ts'ui Pen, todos os desfechos ocorrem; cada um é o ponto de partida de outras bifurcações. Às vezes, as veredas desse labirinto convergem: por exemplo, o senhor chega a esta casa, mas num dos passados possíveis o senhor é meu inimigo, em outro meu amigo... (editora Globo, trad. de Carlos Nejar)
De fato, ele ofereceu resumos e comentários valiosos sobre grandes romances e narrativas, como o Livro das mil e uma noites e Salammbô; comentou a prosa de Joseph Conrad, de Marcel Proust e de tantos outros. E até traduziu Palmeiras selvagens, de William Faulkner. Apesar de não ter escrito um livro extenso, Borges expôs num conto os procedimentos de como não escrever um romance.
O jardim de veredas que se bifurcam (1941) é um breve relato policial. Mas será apenas isso? A trama é ardilosa, e nela aparecem os temas e recursos técnicos borgianos: a citação de textos verdadeiros e apócrifos, uma argumentação sobre o livro e o labirinto, uma sondagem sobre a cultura chinesa, um diálogo entre o Oriente e Ocidente, uma reflexão filosófica...
Como não sou desmancha- prazer, não vou contar o fim, que é surpreendente e um dos mais notáveis da literatura policial.
O conto começa com uma citação de Liddell Hart, um capitão britânico que historiou as duas guerras mundiais e escreveu um tratado sobre estratégia militar. Depois dessa citação veraz, o narrador de Borges transcreve um texto incompleto de um certo Yu Tsun, neto do famoso poeta e calígrafo T'sui Pen. O conto é uma espécie de testamento de Yu Tsun, espião do império alemão. Tsun sabe que está sendo perseguido pelo capitão inglês Richard Madden e que será preso e assassinado; sabe também que, para revelar um segredo do inimigo ao chefe alemão, ele deve encontrar (e matar) Stephen Albert, um renomado orientalista inglês. Por um momento o leitor esquece que está lendo um relato policial. As inquirições são outras, de natureza intelectual e filosófica.
O diálogo entre o Yu Tsun e o sinólogo Stephen Albert discorre sobre a obra de Ts'ui Pen, autor de um livro que é também um labirinto. O trecho a seguir suscita um breve comentário filosófico e um devaneio literário.
Em todas as ficções, cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e elimina as outras; na do quase inextricável Ts'ui Pen, opta - simultaneamente - por todas. Cria, assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam. Daí as contradições do romance. Fang, digamos, tem um segredo; um desconhecido chama à sua porta; Fang decide matá-lo. Naturalmente há vários desenlaces possíveis: Fang pode matar o intruso, o intruso pode matar Fang, ambos podem salvar-se, ambos podem morrer, etc. Na obra de Ts'ui Pen, todos os desfechos ocorrem; cada um é o ponto de partida de outras bifurcações. Às vezes, as veredas desse labirinto convergem: por exemplo, o senhor chega a esta casa, mas num dos passados possíveis o senhor é meu inimigo, em outro meu amigo... (editora Globo, trad. de Carlos Nejar)
Milton Hatoum - Revista Entrelivros
1 Comments:
eu li na revista e agora achei o seu blog mais interessante por reunir.
valeu
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