Uma carta de Machado de Assis
Machado de Assis tinha 65 anos quando Carolina, sua mulher, morreu em 1904; viveria ainda quatro anos. Joaquim Nabuco, um de seus melhores amigos, era dez anos mais moço, e correspondia-se com Machado desde a adolescência.
Essa carta é uma das mais comoventes da literatura brasileira, principalmente porque estamos longe das levezas e ironias típicas de Machado. Ao mesmo tempo, o estilo da carta tem outras características que são igualmente fortes na literatura do autor. Em primeiro lugar, uma certa indulgência com o egoísmo dos outros, ou melhor, a percepção de que nossas dores só são integralmente percebidas por nós mesmos. Em segundo lugar, um estilo que funciona maravilhosamente pela omissão, pela elipse, pelo corte: às vezes, é uma palavra só que desaparece, sem que notemos exatamente qual era. Outras vezes, é o simples uso de uma partícula banal (um “me”, um “e”) que faz toda a diferença. Em vez de dizer “Fico aqui”, ou “continuo aqui”, por exemplo, Machado de Assis escreve “Aqui me fico” –e sua solidão, dentro da casa em que vivia com Carolina, ganha um tom pungente só por isso.
Nabuco tinha escrito um telegrama de condolências a Machado, e este respondera apenas com um “obrigado”. A carta veio depois.
Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904
Meu caro Nabuco,
Tão longe, e em outro meio, chegou-lhe a notícia da minha grande desgraça, e você expressou a sua simpatia por um telegrama. A única palavra com que lhe agradeci é a mesma que ora lhe mando, não sabendo outra que possa dizer tudo o que sinto e me acabrunha. Foi-se a melhor parte da minha vida e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro, porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina.
Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la.
Irei vê-la, ela me esperará.
Não posso, caro amigo, responder agora à sua carta de 8 de outubro; recebi-a dias depois do falecimento de minha mulher, e você compreende que apenas posso falar deste fundo golpe.
Até outra e breve; então lhe direi o que convém ao assunto daquela carta que, pelo afeto e sinceridade, chegou à hora dos melhores remédios. Aceite este abraço do triste amigo velho
Machado de Assis
Marcelo Coelho
Essa carta é uma das mais comoventes da literatura brasileira, principalmente porque estamos longe das levezas e ironias típicas de Machado. Ao mesmo tempo, o estilo da carta tem outras características que são igualmente fortes na literatura do autor. Em primeiro lugar, uma certa indulgência com o egoísmo dos outros, ou melhor, a percepção de que nossas dores só são integralmente percebidas por nós mesmos. Em segundo lugar, um estilo que funciona maravilhosamente pela omissão, pela elipse, pelo corte: às vezes, é uma palavra só que desaparece, sem que notemos exatamente qual era. Outras vezes, é o simples uso de uma partícula banal (um “me”, um “e”) que faz toda a diferença. Em vez de dizer “Fico aqui”, ou “continuo aqui”, por exemplo, Machado de Assis escreve “Aqui me fico” –e sua solidão, dentro da casa em que vivia com Carolina, ganha um tom pungente só por isso.
Nabuco tinha escrito um telegrama de condolências a Machado, e este respondera apenas com um “obrigado”. A carta veio depois.
Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904
Meu caro Nabuco,
Tão longe, e em outro meio, chegou-lhe a notícia da minha grande desgraça, e você expressou a sua simpatia por um telegrama. A única palavra com que lhe agradeci é a mesma que ora lhe mando, não sabendo outra que possa dizer tudo o que sinto e me acabrunha. Foi-se a melhor parte da minha vida e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro, porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina.
Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la.
Irei vê-la, ela me esperará.
Não posso, caro amigo, responder agora à sua carta de 8 de outubro; recebi-a dias depois do falecimento de minha mulher, e você compreende que apenas posso falar deste fundo golpe.
Até outra e breve; então lhe direi o que convém ao assunto daquela carta que, pelo afeto e sinceridade, chegou à hora dos melhores remédios. Aceite este abraço do triste amigo velho
Machado de Assis
Marcelo Coelho
7 Comments:
Comovente, de fato.
Quando um par se desfaz depois de tanto tempo de vida em comum, infeliz daquele que fica.
Emocionte, comovente.
Estou com os olhos em lágrimas.
Amplexos.
ah .. tantoo faiiz .. ù.ú'. so li pq ah profesora carrasca pidiu .!
Meu Deus, nossaa, isso sim é amor *-*" que coisa maais liinda, como ele era apaixonado *--*" MUITO LINDO! Nossa, aacho que toda Carolina deveria ter a sorte de encontrar um Machado na vida *-*"
Tadiinho do Machado ''/
Muito bonita a carta. Cada dia que passa, mais admiro Machado. *-*
Epoca de ouro em que os casais amavam suas esposas como se ela fosse a unica mulher do mundo isso que chamo de amor ,essa carta é muito tocante quanado ela fala da carolina é muito penoso o relato dele para com o amigo, época em que as pessoas valeriam o que era e não o que possuiam e esse valor era os valores e os principios de cada um .
Maria Reginalda ... Tomar do Geru estado de Sergipe
Postar um comentário
<< Home