segunda-feira, abril 16, 2007

Moby Dick



Moby Dick
Herman Melville

A única e definitiva obsessão na vida do Capitão Acab é encontrar e acabar de uma vez com a grande baleia branca que arrancou uma de suas pernas. Não se deterá diante de nada; sacrificará sua vida e a dos outros; não dormirá; não descansará. A saga de Acab transforma seu navio e seus tripulantes em uma cruzada contra o que ele considera o Mal. Mas, quem poderá dizer onde está o verdadeiro Mal? Até onde se pode determinar quando termina o desejo de vingança de um ser humano contra as poderosas forças da natureza e onde começa a insanidade de um louco suicida? Participar da jornada de Acab é tornar-se também um herói contra uma besta irracional assassina ou ser tão louco quanto ele? Com o agravante de que, provavelmente, o final desta jornada só pode ser a morte? Com cenários exóticos e definitivamente estranhos, uma narrativa barroca e densamente trabalhada, um senso de suspense e eterna suspensão das expectativas, MOBY DICK é um dos mais perfeitos romances de aventura de todos os tempos e lança ao mesmo tempo uma profunda, sombria e angustiada reflexão sobre o próprio ser humano. Quem poderá saber sobre os abismos internos sob os quais nos escondemos?
Dessa forma, Moby Dick é mais, muito mais, do que uma simples baleia mesmo que enorme: é a própria representação de todos os nossos medos, dos horrores que receamos encarar frente a frente; e Acab personifica a resistência cega que se recusa a ser humilhada e castigada pelo Destino, pela Sorte ou por Deus. Ou, então, a baleia é uma vitima que luta (e mata) para sobreviver, perseguida pelos homens que, como Acab, jogam suas próprias imperfeições e ressentimentos em forças externas e abstratas em vez de encontrar suas culpas em si mesmos; Acab seria, assim, não um mensageiro de uma decidida força
humana, mas exatamente o contrario: um fraco, frustrado e cego; um fanático louco. Um dos tripulantes, Starbuck, a dado momento, grita para Acab: “Vingar-se de um animal estúpido! É o mais cego instinto que te inflama! Loucura! Enfurecer-se contra uma criatura irracional, capitão Acab, parece blasfêmia”.
Referências bíblicas não faltam. A famosíssima primeira frase do livro “Chamai-me Ismael” é quase praticamente uma das únicas informações que teremos sobre o narrador, um marinheiro que consegue emprego na tripulação do navio baleeiro comandado pelo taciturno Capitão Acab para uma tarefa específica: capturar a maior baleia que já existiu. Lembremos que Ismael,
na Bíblia, é o filho renegado de Abraão. Lembremos também que Acab é um dos mais desagradáveis reis de Israel. Logo antes de embarcar no navio, Ismael é avisado do grande perigo que vai correr por um mendigo no porto cujo nome é... Elias. Moby Dick é, lógico, a grande besta apocalíptica. E, para animar ainda mais esta salada religiosa, o melhor amigo de Ismael é um gigante índio polinésio pagão e antropófago chamado Quiqueg que, na primeira refeição da manhã não come pão nem toma café, só come pequenos pedaços de carne mal-passada.
Nesta mistura de aventura, reflexões filosóficas e religiosas, recheadas de descrições minuciosas da caça às baleias na época (tão
minuciosas, na verdade, que o livro é um verdadeiro compêndio cientifico do assunto), ainda há espaço para humor (para Quiqueg poder ser admitido no navio, Ismael tem que provar que ele é protestante!) e uma fina ironia. Tudo embalado com altas doses de emoção.
Hoje em dia, é quase inacreditável saber que MOBY DICK foi um fracasso quando lançado em 1851. Herman Melville já havia escrito alguns livros de sucesso, todos baseados em fatos reais tirados de sua própria vida aventureira. Nascido em 1819, e tendo perdido o pai muito cedo, decidiu se alistar num barco pesqueiro com vinte anos. Percorreu o mundo, abandonou o
navio, foi perseguido por credores, conheceu os Mares do Sul, passou a maior parte de sua vida no mar. Em certa ocasião ficou prisioneiro de uma tribo de canibais durante meses, até conseguir escapar. Desta experiência resultou seu primeiro livro “Taipi – Paraíso dos Canibais” que faz grande sucesso. Seu grande livro, “Omu”, narra suas andanças como marinheiro. Até parecia que poderia se dedicar exclusivamente como escritor. Recebeu incentivos de um amigo, Nathaniel Hawthorne, outro grande escritor dos primórdios da literatura norte-americana, autor de “A Letra Escarlate”.
No entanto, apesar de continuar escrevendo ininterruptamente, sua fama foi decrescendo, seus livros não vendiam e ele foi obrigado a arranjar outros serviços para poder sustentar a família. MOBY DICK é simplesmente ignorado, apesar de ter recebido algumas críticas boas. Quando morreu, em 1891, recebia rendimentos de sua aposentadoria como inspetor de alfândegas.
Somente muitos anos depois de sua morte, Melville é redescoberto, o seu verdadeiro valor reconhecido e MOBY DICK ocupa o lugar de uma das obras-primas da humanidade. Como de direito.


ClaudineiVieira - Desconcertos

2 Comments:

Blogger Alexandre Kovacs said...

Parabéns Claudinei! Excelente texto, como raramente podemos ler na Internet.

Gostaria de citar Mario Vargas Llosa em Cartas a um jovem escritor (editora Elsevier - 2006): "Call me Ishmael" Um começo extraordinário, não? Em apenas três palavras em inglês, Melville consegue despertar no leitor uma intensa curiosidade com relação a este misterioso narrador-personagem, cuja identidade lhe é escondida, já que sequer fica claro se seu nome realmente é Ismael."

18 abril, 2007 20:48  
Anonymous Anônimo said...

VAleu, Kovacs! A citação do Llosa também é primorosa: dá para se viajar nestas palavras, no modo como consegue ser complexo em sua tão absurda simplicidade e Llosa capta muito bem isso. Certa vez conversava com amigos sobre começos extraordinários de obras-primas (como no Conto de Duas Cidades, do Dickens, por exemplo) e esta é sem dúvida uma das minhas preferidas. Grande abraço
Claudinei

19 abril, 2007 01:19  

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