segunda-feira, abril 23, 2007

O amante de lady Chatterley

Ilustração da edição ED Dialogues 2004 - França

O amante de lady Chatterley
D. H. Lawrence
Várias edições em Português

Interessante reler O Amante de Lady Chatterley nos dias atuais, livro de David Herbert Lawrence que durante décadas provocou o maior qüiproquó, fazendo parte da galeria dos livros malditos. O autor nasceu em 1885 na aldeia de Eastwood, no Reino Unido, e faleceu em 1930 não tendo visto o seu polêmico livro publicado em sua terra natal. Rotulado de imoral e pornográfico este romance de Lawrence levou 32 anos para vir a lume, sem cortes, numa Inglaterra tipificada pelo tradicionalismo e o conservadorismo, coisas que os geniais Beatles tiveram a coragem de, nos anos 60, dar um pontapé na bunda.
O polêmico livro foi gestado por Lawrence em Toscana, em 1926, quando lá residia. Cidade próxima da Florença de Maquiavel que, como ele, durante muito tempo foi um autor proscrito. O sexo domina os escritos de Lawrence que abandonou a sala de aula, a profissão de professor, para se dedicar inteiramente à literatura, deixando como herança intelectual, além do citado romance, entre outros, O Pavão Branco, Arco Íris e Mulheres Apaixonadas.
Censurada na Inglaterra, a primeira edição do Amante de Lady Chatterley – expurgada das cenas mais picantes – foi publicada na França em 1928, mas pouco tempo depois retirado das livrarias debaixo do jargão da imoralidade, do absurdo, do atentado a moral e aos bons costumes. Mas afinal de contas, o que esse livro tem para provocar tanta ira dos Torquemadas da primeira metade do último século do milênio passado? Para responder a questão é bom situá-lo no contexto de sua época e examinar a natureza da temática que trata.
O romance, escrito uma década depois, passa - se entre 1917 e 1918. O cenário histórico que serve como pano de fundo tem três acontecimentos centrais e marcantes: estava em curso a 1ª guerra mundial (1914-1914), em 1917 ocorreu a revolução bolchevista na Rússia, virando o mundo de ponta-cabeça e, em 1918, depois de longa e às vezes sangrenta luta, as heróicas suffragettes (ou sufragistas) conseguiram uma grande vitória, marcando um verdadeiro gol de placa em defesa dos direitos humanos, ou seja: a aprovação da Representation of the People Act que estabelecia o voto feminino no Reino Unido.
O enredo do romance se organiza em torno de um triângulo amoroso, envolvendo Constance Reid, Clifford Chatterley e Oliver Mellors.
Logo após casar-se com Contance o poderoso, rico, frio, calculista e conservador Sir Clifford é convocado para a guerra e dela volta numa cadeira de rodas, inválido e impotente, indo viver com a esposa em sua mansão de Wragby Hall, nas proximidades de suas minas de carvão. Contance, ou seja, Lady Chatterley é um azougue. Ela é o que viria a se chamar de uma mulher de vanguarda, cheia de vida e tesão. A lady perdeu a virgindade com um namoradinho antes do casamento e sempre deixa implícito ter simpatias pelo movimento dos trabalhadores, torcendo pelo sucesso de suas greves e escutando os ecos do que se passava na Rússia. Completa o triângulo Mellors, guarda-caça de Clifford. Ele é um chato-de-galocha que entra na estória como “Ricardão”. Mellors está separada da mulher e tem uma filha de seus 6 a 8 anos de idade. Ele é um tipo amargurado e solitário até a Lady dar em cima dele. Adora mexer em pintos e porcos e pregar pregos em coisas que estão desabando. Embora tenha instrução fala de forma escrachada, cheia de maneirismos, gírias e palavrões. Não é bonito nem feio, nem ele e nem a Lady.
Como dinheiro não traz felicidade e a Lady não tem o que fazer naquele monótono fim de mundo e com um marido que não pode satisfazê-la, resta-lhe andar pelo campo, colhendo flores, admirando animais e tomando um chazinho aqui e ali sendo elogiada por puxa-sacos e alcoviteiras. É fatal que em suas andanças, vez por outra, dê de cara com o taciturno guarda-costas, com quem não simpatizou a início. Bola vai, bola vem, acabam se tornando amantes com encontros fortuitos numa cabana que é um horror. Mas a Lady prefere transar com o pobretão e grosseiro Mellors ouvindo-o – na cama - gritar “fuck” e “fucking”, que transar com os almofadinhas que de quando em vez vistam o seu marido, tendo descoberto o prazer com o primeiro. Com a gravidez de Constance o caso entre ela e o guarda-caça atinge o clímax. Que fazer? Acabam abrindo o jogo. O negócio fica zero a zero. Nem Clifford aceita dar a separação nem registrar como seu o filho do empregado, fosse de um graúdo, verbaliza, até que toparia. A mulher de Mellors cozinha em banho-maria a idéia de conceder-lhe o divórcio. Ele não faz por menos, desentende-se com o patrão, vai parar no olho da rua e arranja emprego numa propriedade agrícola para cuidar de pôneis, cavalos, vacas e outros bichos. O salário é um tiquinho, negócio que só dá para ver olhando num microscópio. É de seu novo emprego que Mellors escreve para sua amada amante: “Quando estou a tirar leite, sinto-me consolado. Temos seis vacas Herefords muito lindas”.
O romance-pesadelo engendrado pela astúcia e a picardia de D. H. Lawrence termina num impasse: enquanto o bucho da Lady vai crescendo resta a ela e a Mellors rogarem aos céus para que ocorra algum milagre e que o drama vivido por eles venha a ter um improvável happy end.
Claro que com um enredo bombástico como este o hoje clássico O Amante de Lady Chatterley só poderia desagradar tanto aos gregos como aos troianos, ou seja: aos conservadores e aos reacionários janotas europeus do início do século. Com seu romance, o professor que largou as aulas para embrenhar-se no mundo das letras, metia a mão em muitas chagas ao mesmo tempo: o sexo como fio condutor, a paixão entre pessoas de classes sociais distintas, a guerra como instrumento de destruição de projetos de vida e a situação da mulher e a dos trabalhadores e as suas respectivas lutas por liberdade.

Aluizio Alves Filho - Revista Achegas

3 Comments:

Blogger Alexandre Kovacs said...

Acho que o poema abaixo ("Bawdy can be sane" em tradução de José Paulo Paes), do próprio D. H. Lawrence, sintetiza bem o tema da hipocrisia na sociedade inglesa da época:

A indecência pode ser saudável
(D.H. Lawrence - 1885 ~ 1930)

A indecência pode ser normal, saudável;
na verdade, um pouco de indecência é necessário em toda vida
para a manter normal, saudável.

E um pouco de putaria pode ser normal, saudável.
Na verdade, um pouco de putaria é necessário em toda vida
para a manter normal, saudável.

Mesmo a sodomia pode ser normal, saudável,
desde que haja troca de sentimento verdadeiro.

Mas se alguma delas for para o cérebro, aí se torna perniciosa:
a indecência no cérebro se torna obscena, viciosa,
a putaria no cérebro se torna sifilítica
e a sodomia no cérebro se torna uma missão,
tudo, vício, missão, insanamente mórbido.

Do mesmo modo, a castidade na hora própria é normal e bonita.
Mas a castidade no cérebro é vício, perversão.
E a rígida supressão de toda e qualquer indecência, putaria e relações assim
leva direto a furiosa insanidade.
E a quinta geração de puritanos, se não for obscenamente depravada,
é idiota. Por isso, você tem de escolher.


Espero ter contribuído com o tema, sem necessariamente chocar as mentes ainda puritanas.

24 abril, 2007 20:27  
Anonymous Anônimo said...

Boa e original a análise do romance feita por Aluizio Alves Filho. Como sempre o seu conhecimento multifacetado nos conduz a uma agradável leitura.
Saudações do menino que veio de barca, Nico.

24 abril, 2007 21:43  
Anonymous Anônimo said...

Boa e original a análise do romance feita por Aluizio Alves Filho. Como sempre o seu conhecimento multifacetado nos conduz a uma agradável leitura.
Saudações do menino que veio de barca, Nico.

24 abril, 2007 21:43  

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