segunda-feira, julho 30, 2007

Le Corbusier - A viagem do Oriente

A viagem do Oriente
Le Corbusier
Tradução: Paulo Neves
Editora: Cosacnaify

Mais um relato de viagens de Le Corbusier é traduzido no Brasil, dentro da série de obras desse arquiteto que vem sendo editada recentemente pela Cosacnaify. Neste caso, uma "viagem de formação" como a que empreendera à Itália em 1907, seguindo o destino de tantos outros intelectuais e artistas europeus que buscavam formação clássica. Agora ele adentra o continente pelo Danúbio no ano de 1911, lentamente pelas estranhas paisagens dos Bálcãs até Istambul, retornando em seguida pela Grécia e novamente à Itália.
Partindo da Alemanha, onde estivera em contato com um ambiente cultural intenso, Le Corbusier e seu amigo Auguste Klipstein realizam essa longa viagem de seis meses, com um olhar pictórico (por volta de 300 desenhos e 500 fotos!). Inicia-se aí a famosa série de "carnets" (pequenos cadernos quadriculados), que o arquiteto rabiscará durante toda sua vida. O texto traduzido deve corresponder ao original revisado pelo próprio autor meses antes de morrer, em 1965. Nesse ano, resolve retomar a publicação, cujos originais concluídos em 1914 encontrara por acaso nas caixas de seu escritório, quando preparava o premonitório "Mise au Point" (acerto de contas). Essa informação, que não consta da presente edição, ajudaria a esclarecer a respeito da famosa edição em fac-símile dos cadernos originais dessa "Viagem do Oriente", publicados pela Fundação LC nos anos 80. Neles, Le Corbusier anotava freneticamente tudo o que observava, além de garatujar os artigos que enviava para a "Feuille d'Avis", de La Chaux-de-Fonds, cidade suíça onde nascera em 1887. Palavra, escrita ou falada, e desenhos rabiscados sempre formaram uma unidade na expressão corbusiana e povoam já o imaginário da modernidade.

Acrópole de Atenas

Mitólogos de plantão encontraram nas suas descrições de juventude o germe das formulações geniais que ele começará a produzir alguns anos depois.
Principalmente na relação de sua obra com a arquitetura clássica, em especial a Acrópole de Atenas, que visitou diariamente durante três semanas. Duas impressões se fixam, no entanto, numa leitura mais livre. Primeiro, o olhar do europeu, captando a diluição desse conceito em direção ao Oriente. Nesse momento único, no qual o passado parece um depósito de objetos a ser formalmente capturado, e o futuro, uma construção em aberto, ele não esconde seu desprezo pela realidade registrada da dissolução austro-húngara. Avança como um batedor que anuncia o novo momento ao qual nada escapará. Uma certeza que a guerra iminente vai impor com violência, antecipada visualmente no incêndio em Istambul. Nada mais destoante que ler as descrições da vida pacata ao longo do Danúbio e imaginá-las como cenário da Primeira Guerra três anos depois (ele também visita a Sérvia, local no qual se deflagra o conflito).
A segunda impressão se conecta à primeira, pois esse olhar europeu que percorre as planícies, vales, povoados e monumentos fixa o valor plástico das coisas. Descreve a harmonia das linhas, dos planos e das cores de tal maneira que parece exigir reparos dos eventos que perturbem essa ordem plástica. São textos-desenho ou textos-pintura, de influência pós-impressionista, numa linha já crítica à art nouveau.

Projeto moderno

Nesse mundo de formas passíveis de rearranjo, talvez se possa antever o formalismo intrínseco ao projeto moderno em construção, na esteira da autonomia estética. Perceptível é, no entanto, a influência do ponto de vista alemão nesse período: uma transição sem conflitos entre o saber técnico popular e a formação erudita do artista, que deverá resultar no novo desenho da nova indústria. Bem distante das discussões do pós-guerra, na imposição da seriação industrial, na qual tanto a Bauhaus quanto o maduro Le Corbusier irão se engajar sem hesitação.
Porém, o estudo dessas viagens de juventude, se podem ajudar a explicar certas referências da obra adulta (pintura, arquitetura e urbanismo), não podem explicar o essencial: a radicalidade das propostas do mestre nos anos 20 e 30. A tranqüilidade arrogante das certezas registradas nessa viagem, presa ainda aos fenômenos pelo olhar particular, será substituída por uma universalidade que se afasta progressivamente da realidade social cada vez mais conflitada, cumprindo a agenda das vanguardas artísticas. Esse distanciamento corresponde à nova série de viagens que incluem o Brasil em duas oportunidades (1929 e 1936). Le Corbusier encontrava assim a sua tábula rasa.

Luiz Recamán - Folha de SP
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