Graham Greene - O americano tranquilo
Graham Greene está meio esquecido ultimamente no Brasil. Autor de obras reconhecidas mundialmente, fazia muito sucesso por aqui. Creio que praticamente todos os seus livros estejam traduzidos para o português, mas nem mesmo quando, em 2002, o filme com Michael Caine, foi cotado para receber um Oscar, foi o suficiente para que o livro fosse reeditado. "O Americano tranqüilo", no entanto, é facilmente encontrado em qualquer sebo.
A literatura de Greene é surpreendente. Sempre são livros densos discutindo a posição do homem perante as grandes complexidades de um universo sem moral. Mesmo em seus livros menos "sérios", os quais ele dizia serem somente para diversão, há um traço amargo de ceticismo e desânimo. Para ele, é uma humanidade perdida em seu próprio niilismo, vazia e solitária. A razão para isso? A perda da fé em uma entidade superior, isto é, estamos em um mundo onde não existe mais a crença em Deus e que sofre as conseqüências disso. Greene se converteu ao catolicismo por meio do raciocínio e da lógica, e não por alguma revelação ou experiência mística e, por causa do seu sucesso, acabou sendo reconhecido como o maior romancista inglês católico.
Mas não se pense que seus livros sejam manuais ou cartilhas de seminário. Sua escrita é límpida e muito fácil de ser lida. Assemelha-se, a principio, a qualquer best-seller comum. A leitura corre rápida, mas quando menos percebemos, estamos no meio de um intrincado jogo de paradoxos e conflitos emocionais e morais. Essa mistura de enredos de romance policial, aventura ou de espionagem com profundidade filosófica, e sem qualquer pretensão de didatismo religioso, talvez explique sua enorme popularidade.
A própria vida de Greene proporcionaria um romance de aventura. Nascido em 1904, era um rapaz triste e melancólico que quase se suicidou quando tinha dezessete anos. Acabou se graduando em Oxford, fez carreira como jornalista, foi redator-chefe do Times de Londres, trabalhou em Cuba antes de Fidel. Foi funcionário do Serviço de Inteligência, isto é, foi espião. Viajou e conheceu vários países da América Latina, África e Ásia. Além de romances, escreveu com sucesso peças de teatro e roteiros de cinema (como o clássico "O Terceiro Homem", com Orson Welles).
Tudo isso está refletido em suas obras. Em "O Fator Humano" (talvez sua obra-prima, ao lado de "O Americano Tranqüilo"), ele desglaumoriza até o osso a figura do espião. Nada de James Bonds aqui. Somente funcionários do governo mexendo com um burocrático e monótono serviço de recebimento e despacho de envelopes. E, ao mesmo tempo, Greene discute o racismo inglês, a falta de perspectivas na vida, a alienação política, a estupidez burocrática, etc. "Nosso Homem em Havana" é uma sátira, uma comédia desbragada ironizando a espionagem e a incompetência dos ingleses em Cuba. "Os Farsantes" é uma análise pesada e densa, nada engraçada, sobre a ditadura haitiana. E por aí vai.
"O Americano tranqüilo" é um livro curto, pequeno. E contundente. Baseado em suas notas durante reportagens realizadas para a revista LIFE em 1952 e lançado em 1955, retrata a Indochina em sua tentativa de se livrar do domínio francês. Na verdade, os franceses estavam levando uma surra e se vislumbrava sua derrota posterior. Os olhos norte-americanos também estavam presentes e sua intervenção estava sendo prevista (embora, ninguém pudesse prever o vulto que isso tomaria pouco anos depois, quando a Indochina se tornaria Vietnã).
A história gira em torno de um decadente e cético jornalista inglês chamado Thomas Fowler. Farto dos seus colegas jornalistas, farto da guerra em um país que aprendeu a amar, farto da politicagem e da hipocrisia diplomática, pretende se manter à parte e distante de qualquer envolvimento mais sério. A não ser com Phuong (cujo nome significa "fênix"), uma jovem vietnamita. Ela (além do ópio) é a única alegria na vida de Fowler, mas não podem se casar pois sua esposa inglesa é católica e não lhe concede o divórcio.
E aí chega o tal americano tranqüilo, Pyle. Repleto de boas intenções, uma ingenuidade descomunal e um profundo desconhecimento do Oriente e suas especificidades, Pyle está imbuído de sua missão pela Democracia, Valores Humanos, uma Terceira Via para salvar o Oriente das garras de quem não o mereça (isto é, nem os franceses nem os próprios orientais "desprotegidos"). E com isso, com toda a força e seriedade de sua juventude e inconsciência, vai espalhando morte, destruição e tristeza. E também se apaixona por Phuong, forçando Fowler a finalmente tomar uma atitude.
O sarcasmo e a ironia de Greene são pesados. Com uma história tão banal, ele consegue transmitir uma diversidade de emoções, conflitos e fatos políticos que atingem o leitor como uma granada direto no coração. A cena de Pyle limpando os sapatos de sangue logo após a explosão de uma bomba em uma praça pública é uma das mais fortes de toda a literatura mundial.
Poderia render um filme clássico e inesquecível. Não foi o que aconteceu. Não foi assim com a primeira versão realizada em 1957, dirigida por Joseph Mankiewcz, mas mesmo essa é um pouquinho melhor, um tanto mais completa, do que este dirigido por Philip Noyce. Noyce joga fora toda a complexidade da situação e do texto original e somos jogados em um mundo binário, de opostos simplistas e simplórios, tratando o espectador como um verdadeiro imbecil.
Isso é diferente de considerar o espectador como ignorante dos fatos (quem, afinal de contas, além dos historiadores e analistas políticos, ainda sabe que aquela parte da Ásia foi uma possessão francesa, antes dos norte-americanos?). Greene, por exemplo, pela boca de Fowler faz um resumo da dificuldade de se entender a Indochina citando uma dezena de organizações, partidos políticos, seitas religiosas, todos com seus próprios exércitos e seus próprios interesses, somente em um parágrafo, um primor de concisão e contundência! Em um filme, se aproveitada, esta cena duraria cinco segundos e poderia ser igualmente impactante. Noyce até tenta fazer isso, na fala de um soldado francês explicando ... para o Fowler!
A literatura de Greene é surpreendente. Sempre são livros densos discutindo a posição do homem perante as grandes complexidades de um universo sem moral. Mesmo em seus livros menos "sérios", os quais ele dizia serem somente para diversão, há um traço amargo de ceticismo e desânimo. Para ele, é uma humanidade perdida em seu próprio niilismo, vazia e solitária. A razão para isso? A perda da fé em uma entidade superior, isto é, estamos em um mundo onde não existe mais a crença em Deus e que sofre as conseqüências disso. Greene se converteu ao catolicismo por meio do raciocínio e da lógica, e não por alguma revelação ou experiência mística e, por causa do seu sucesso, acabou sendo reconhecido como o maior romancista inglês católico.
Mas não se pense que seus livros sejam manuais ou cartilhas de seminário. Sua escrita é límpida e muito fácil de ser lida. Assemelha-se, a principio, a qualquer best-seller comum. A leitura corre rápida, mas quando menos percebemos, estamos no meio de um intrincado jogo de paradoxos e conflitos emocionais e morais. Essa mistura de enredos de romance policial, aventura ou de espionagem com profundidade filosófica, e sem qualquer pretensão de didatismo religioso, talvez explique sua enorme popularidade.
A própria vida de Greene proporcionaria um romance de aventura. Nascido em 1904, era um rapaz triste e melancólico que quase se suicidou quando tinha dezessete anos. Acabou se graduando em Oxford, fez carreira como jornalista, foi redator-chefe do Times de Londres, trabalhou em Cuba antes de Fidel. Foi funcionário do Serviço de Inteligência, isto é, foi espião. Viajou e conheceu vários países da América Latina, África e Ásia. Além de romances, escreveu com sucesso peças de teatro e roteiros de cinema (como o clássico "O Terceiro Homem", com Orson Welles).
Tudo isso está refletido em suas obras. Em "O Fator Humano" (talvez sua obra-prima, ao lado de "O Americano Tranqüilo"), ele desglaumoriza até o osso a figura do espião. Nada de James Bonds aqui. Somente funcionários do governo mexendo com um burocrático e monótono serviço de recebimento e despacho de envelopes. E, ao mesmo tempo, Greene discute o racismo inglês, a falta de perspectivas na vida, a alienação política, a estupidez burocrática, etc. "Nosso Homem em Havana" é uma sátira, uma comédia desbragada ironizando a espionagem e a incompetência dos ingleses em Cuba. "Os Farsantes" é uma análise pesada e densa, nada engraçada, sobre a ditadura haitiana. E por aí vai.
"O Americano tranqüilo" é um livro curto, pequeno. E contundente. Baseado em suas notas durante reportagens realizadas para a revista LIFE em 1952 e lançado em 1955, retrata a Indochina em sua tentativa de se livrar do domínio francês. Na verdade, os franceses estavam levando uma surra e se vislumbrava sua derrota posterior. Os olhos norte-americanos também estavam presentes e sua intervenção estava sendo prevista (embora, ninguém pudesse prever o vulto que isso tomaria pouco anos depois, quando a Indochina se tornaria Vietnã).
A história gira em torno de um decadente e cético jornalista inglês chamado Thomas Fowler. Farto dos seus colegas jornalistas, farto da guerra em um país que aprendeu a amar, farto da politicagem e da hipocrisia diplomática, pretende se manter à parte e distante de qualquer envolvimento mais sério. A não ser com Phuong (cujo nome significa "fênix"), uma jovem vietnamita. Ela (além do ópio) é a única alegria na vida de Fowler, mas não podem se casar pois sua esposa inglesa é católica e não lhe concede o divórcio.
E aí chega o tal americano tranqüilo, Pyle. Repleto de boas intenções, uma ingenuidade descomunal e um profundo desconhecimento do Oriente e suas especificidades, Pyle está imbuído de sua missão pela Democracia, Valores Humanos, uma Terceira Via para salvar o Oriente das garras de quem não o mereça (isto é, nem os franceses nem os próprios orientais "desprotegidos"). E com isso, com toda a força e seriedade de sua juventude e inconsciência, vai espalhando morte, destruição e tristeza. E também se apaixona por Phuong, forçando Fowler a finalmente tomar uma atitude.
O sarcasmo e a ironia de Greene são pesados. Com uma história tão banal, ele consegue transmitir uma diversidade de emoções, conflitos e fatos políticos que atingem o leitor como uma granada direto no coração. A cena de Pyle limpando os sapatos de sangue logo após a explosão de uma bomba em uma praça pública é uma das mais fortes de toda a literatura mundial.
Poderia render um filme clássico e inesquecível. Não foi o que aconteceu. Não foi assim com a primeira versão realizada em 1957, dirigida por Joseph Mankiewcz, mas mesmo essa é um pouquinho melhor, um tanto mais completa, do que este dirigido por Philip Noyce. Noyce joga fora toda a complexidade da situação e do texto original e somos jogados em um mundo binário, de opostos simplistas e simplórios, tratando o espectador como um verdadeiro imbecil.
Isso é diferente de considerar o espectador como ignorante dos fatos (quem, afinal de contas, além dos historiadores e analistas políticos, ainda sabe que aquela parte da Ásia foi uma possessão francesa, antes dos norte-americanos?). Greene, por exemplo, pela boca de Fowler faz um resumo da dificuldade de se entender a Indochina citando uma dezena de organizações, partidos políticos, seitas religiosas, todos com seus próprios exércitos e seus próprios interesses, somente em um parágrafo, um primor de concisão e contundência! Em um filme, se aproveitada, esta cena duraria cinco segundos e poderia ser igualmente impactante. Noyce até tenta fazer isso, na fala de um soldado francês explicando ... para o Fowler!
Não vou me estender nessa questão. Basta dizer que é um filme hollywoodiano e muita coisa fica assim explicada. No entanto, apesar de tudo, há algumas boas surpresas. Há a digna e competente atuação de Michael Caine, o que por si só não constitui surpresa nenhuma; mas também há a extraordinária e coerente interpretação de Brendan Fraser como Pyle, o que, vamos e convenhamos, não é pouca coisa! Foi muito injusto ele não ter sido indicado para Melhor Ator Coadjuvante.
Acima de tudo isso, porém, impressiona o próprio momento do filme. Em 2002, em pleno furor de ira Bushiana pós-11 de Setembro, o simples fato de filmar "O Americano tranqüilo" batia de frente com toda a histeria imperialista belicista ( e não foi à toa que ficou na ‘geladeira’ durante um ano e até cogitou-se de nem mesmo lança-lo). Se fosse um bom filme, quem sabe não impressionaria de verdade?
Dessa forma, o filme se deixa assistir numa boa, embora sem grandes comoções. Graham Greene merecia bem mais.
Claudinei Vieira – Desconcertos
3 Comments:
Eu vi o filme na época em q. saiu nos EUA. É verdade que Michael Caine por si já valeu a ida ao cinema.
Fiquei c. vontade de ler o livro.
Vim conhecer este blog por causa da Leila e adorei.
Parabéns a todos.
Fernando
Já dei minha opinião sobre Graham Greene escritor lá nos cadernos da Leila. Ao contrário de você, gostei bastante do filme.
Postar um comentário
<< Home