quinta-feira, junho 21, 2007

DIÁRIO DE UM VELHO LOUCO

Junichiro Tanizaki
Utsugi é um velho de 77 anos que vai relatando seu quotidiano, à primeira vista, morno, em um diário, como indica o nome do romance. Temos, então, acesso à rotina dos remédios, hospital, médico, família, dores. Mas, Utsugi é um velho que, confrontado às doenças e à idade, decide que não tem nada a perder. E pessoas que não têm nada a perder podem ser muito interessantes. Assim é este romance, o último de Tanizaki, escrito já nos anos 60. O autor estava também na casa dos setenta e sabia bem do que falava. O tema não é novo na obra de Junichiro Tanizaki, fetichismo, masoquismo, mulheres encantadoras prontas para se aproveitarem da fraqueza de um homem. No caso desta obra, a mulher em questão é a nora de Utsugi, Satsuko que vive na mesma casa e é odiada pelas cunhadas, o narrador se compraz com os desentendimentos e toma, claro, sempre o partido da nora. Mas podemos mesmo afirmar que Satsuko é uma aproveitadora sem correr o risco de cair na armadilha do moralismo? Nem o autor, nem o narrador são moralistas, em momento algum. Não encontramos aqui nem moralidade, nem imoralidade, como a maior parte da obra de Tanizaki, este diário pode ser considerado amoral. E por outro lado, quem estaria manipulando quem? O velho Utsugi deixa claro que, apesar de velho e impotente, ainda sente desejo. Escreve em seu diário:
“Penso, antes, que o fenômeno tem a ver com a sexualidade de um velho impotente — pois alguma sexualidade existe, mesmo num velho impotente.”
Ou ainda:
"Não tenho nenhuma intenção de me apegar tenazmente à vida, mas uma vez que continuo vivo, não posso deixar de sentir atração pelo sexo oposto.”
É bem verdade que Satsuko aceita os presentes do sogro, jóias caras, por exemplo e permite que o velho a espie durante o banho, que toque o seu pé, esta parte do corpo tão importante na obra de Tanizaki:
“Percorro com os lábios desde a panturrilha até o calcanhar. Para minha surpresa, ela não reclama. Me deixa agir à vontade. Minha língua explora o dorso do pé e alcança a ponta do dedão. Ponho-me de joelhos, pego o pé nas mãos, ergo-o e encho a boca com o dedão e os dois dedos seguintes. Pressiono os lábios contra o arco plantar.”
Essa é uma parte do jogo entre os dois personagens principais e não cabe aqui nenhum julgamento. O velho se alegra com as migalhas que a vida ainda pode olhe oferecer. É tudo. E porque se dar o trabalho de manter um diário? Em parte pelo prazer de escrever. Ele explica:
“Mantenho um diário porque gosto de escrever. Não pretendo mostrá-lo a ninguém. A vista anda espantosamente fraca, não consigo ler quanto gostaria e, como não tenho outras distrações, estou sempre disposto a escrever para passar o tempo. Uso pincel grosso e escrevo graúdo para facilitar a leitura. Guardo o diário num cofre pequeno, não quero que ninguém o leia. Já lotei cinco desses cofres. Imagino que será melhor queimar os manuscritos algum dia, mas me agrada também a idéia de deixá-los para a posteridade.”
As histórias de Tanizaki são sempre muito tem consctruídas, é possível ler o autor somente por sua narrativa, mas o mais fascinante ainda é o seu texto, a sua forma de escrever, de discorrer sobre a existência, a sexualidade,a velhice sem nunca condescender. A vida como ela é, mas mostrada em elegantes linhas.

A edição da Estação Liberdade foi traduzida por Leiko Gotoda, sobrinha de Tanizaki.
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Leila Silva Terlinchamp - Cadernos da Bélgica
Mais sobre literatura japonesa no Bungaku.

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1 Comments:

Blogger Alexandre Kovacs said...

Até hoje só li "Voragem" de Junichiro Tanizaki e lembro que achei os personagens muito bem construídos e densos. Considerando a delicadeza tradicional da prosa japonesa, Tanizaki consegue, assim como Kawabata, explorar os desvios de comportamento contidos por uma sociedade extremamente moralista.

Parabéns pelo texto, fiquei com vontade de conhecer mais este trabalho de Tanizaki.

23 junho, 2007 21:03  

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