terça-feira, novembro 06, 2007

O Beijo e outras histórias, Tchekhov

O Beijo e outras histórias, Tchekhov
Editora 34

Creio que chamar os trabalhos de Anton Tchekhov de miniaturas é de uma expressão particularmente feliz, embora meio óbvia. Ao invés dos enormes painéis e da arquitetura intrincada dos romances sócio-políticos-históricos de Tolstoi ou as ferventes aventuras psicológicas de Dostoievski, Tchekov se volta para o mínimo, para o detalhe, para o prosaico cotidiano, para o momento. Não á toa o gênero onde pôde se dedicar e aprofundar esta sua propensão foi o conto, os relatos breves, onde se consegue apreender todo o conteúdo de uma narrativa ou dos pensamentos ou do caráter dos personagens através de pouquíssimas páginas, sabemos aonde vai se conduzir suas vidas depois de terminada a palavra no final. São como flashes que captam o determinado momento permitindo-nos observar seu desenvolvimento por este átimo. Miniaturas, portanto.
Sutis, sem enormes extravasamentos, os personagens e as histórias se realizando por descrições enviesadas. Em “O BEIJO”, o texto que abre este volume, por exemplo, ficamos sabendo desde o inicio que o jovem capitão Riabóvitch é tímido, fechado e, diferente dos seus colegas, nunca tivera um caso amoroso. No entanto, em uma festa por um acaso acaba recebendo um beijo de uma mulher desconhecida (ele entrara em um recinto escuro e ela pensou que fosse outra pessoa); logo que percebe o erro, ela corre. Agitado, volta ao salão e procura perceber que seria a tal dama. É aí que ficamos cientes de toda a sua plena solidão, de sua incapacidade de se socializar, de sua impenitente imaturidade.
Como Schnaiderman observa, o mestre Tchekhov gostaria de sair de suas miniaturas e se aventurar por narrativas mais longas. Seu esforço era tremendo, sentia muito mais dificuldade, dizia-se ‘mimado’ por conta de sua experiência com os contos curtos. O que o levou a escrever novelas e alguns (poucos) romances pequenos. Os resultados foram tão preciosos como os demais, forjou obras-primas tanto quanto. Nesta seleção de Boris Schnaiderman nos encontramos com algumas das jóias mais raras da literatura russa e mundial.
KASCHTANKA é uma deliciosa incursão pela vida e pelos ‘pensamentos’ e sentimentos de uma cadela que, ao se perder do seu dono, o bruto e ignorante marceneiro Luká Aleksândritch, é resgatada e passa um tempo por um tipo de amestrador de animais e lá conhece alguns ‘amigos’: um ganso cinzento, um gato e acaba até aprendendo alguns truques. Certamente, uma visão diferenciada da vida russa. Em “VIÉROTCHKA” e em “UMA CRISE” observamos de novo como ele consegue transpor a aparente simplicidade de seus temas e, a partir de um pequeno evento, revelar-nos uma imensidão psicológica que antes estaria escondida. Ao sair de uma aldeia onde vivera por alguns meses, um jovem recebe uma inesperada declaração de amor, o que o obriga a repensar sua vida até então e tomar decisões desagradáveis. No outro, um estudante ingênuo faz um périplo junto com seus colegas por entre alguns bordeis da cidade e as condições de vida e de tédio o chocam de tal maneira que acredita dever tomar alguma atitude (esta história, aliás, provocou algumas reações de escândalo na época pela sua descrição naturalista das prostitutas e do seu modo de vida, e até mesmo pela própria ousadia do tema). Da juventude para o extremo oposto, “UMA HISTÓRIA ENFADONHA” narra o cotidiano de um velho professor universitário ainda na ativa, mas que sente sua cada vez maior dificuldade de sobreviver aos dias cansativos, à falta de seus antigos amigos, da família que não o compreende, nem sentirá plenamente sua morte. Longas digressões tornam este o maior texto deste volume e, por mais que admire o trabalho tchekhoviano, devo admitir ser o que mais testa a paciência do leitor.
“ENFERMARIA N° 06” é um dos seus textos mais famosos e o que mais chamou a atenção de sua obra, desde sua publicação. As digressões, as longas conversas entre ‘loucos’ e médico, neste caso funcionam com uma maravilhosa e autêntica perfeição. Entre o que é razão e des-razão ou simplesmente loucura e onde elas se localizam a ponto de levar o especialista a ‘virar de campo’, o que sobra é uma obra magnífica, de extrema simplicidade e efeito duradouro. Impossível para nós, brasileiros, não percebermos as absolutas semelhanças entre este e o nosso também famossíssimo “O ALIENISTA’, não só pelo tema, pela narrativa, e pelo final, mas inclusive pelas idéias. Dá para sentir a ‘voz’ de Machado, por exemplo: “Tendo examinado o hospital, Andrei Iefímich chegou à conclusão de que era uma instituição imoral e altamente nociva à saúde dos habitantes. A seu ver, o que havia de mais inteligente era soltar os doentes e fechar o hospital. Compreendeu, porem, que, para isso, não bastava a sua vontade e que seria inútil; expulsando-se a impureza física e moral de uma parte, ela passa a outra; era preciso esperar que se desfizesse por si. Ademais, se as pessoas fundaram um hospital e toleravam-no em seu meio, queria dizer que estes lhes era necessário; os preconceitos e todas essas ignomínias e baixezas do cotidiano são necessários, pois, com o passar do tempo, transformam-se em algo consistente, como o esterco em húmus”. De novo, apesar do eixo deste trecho e da própria novela ser o hospital em si, pode-se perceber o quanto apreendemos da cidade que o rodeia e dos seus problemas e vícios, em algumas rápidas pinceladas.
Claudinei Vieira - Desconcertos

2 Comments:

Blogger Alexandre Kovacs said...

Claudinei, parabéns pela excelente análise e resenha. Relmente Tchekhov é de uma "simplicidade" que é quase um contraponto se comparado com outros escritores russos como Tolstoi e Dostoievski.

11 novembro, 2007 20:26  
Anonymous Anônimo said...

Claudinei,
Bela resenha. Também adoro Tchekhov, e desses contos, especialmente o Beijo, que é de uma delicadeza inexprimível.

Abraço.

Umberto

24 novembro, 2007 00:15  

Postar um comentário

<< Home

Free Web Hit Counters
Free Counters