Querelle
Jean Genet
Editora Nova Fronteira
Tradução de Jean Marie L. Remy Demetrio Bezerra de Oliveira
Assisti ao filme antes de ler o livro. O filme de Rainer Werner Fassbinder me impressionou, sobretudo, pela estética — de uma beleza espantosa! — e da interpretação dos atores. A trama me soou densa o suficiente para despertar interesse. Tanto que resolvi procurar o livro. Sempre acreditei na primazia dos livros em relação aos filmes que acabam por originar. Linguagens diferentes que muito dificilmente se coadunam de forma satisfatória. Assim, achei que as cenas do filme poderiam interferir negativamente na leitura, deturpando as imagens que caberiam a mim mesmo criar segundo o texto e minha imaginação. Mas não: ter visto o filme só contribuiu para que eu apreciasse ainda mais a intensidade da escrita de Genet. Talvez porque Fassbinder tenha conseguido captar (pelo menos no meu entender) com uma fidelidade surpreendente toda a estranha e complexa atmosfera ao mesmo tempo opressiva, sedutora e fatalista que as páginas do livro evocam. A poucos escritores coube tão bem o termo maldito. Jean Genet (1910-1986) recriou em peças e romances a mesma marginalidade radical que caracterizou sua vida. Foi na prisão que ele começou a escrever. Seus livros estão centrados em sua convivência com marginais e condenados que conheceu dentro e fora das prisões em que esteve. Seus textos abordam o homossexualismo, degradação e opressão social. Mas o que impressiona em suas obras não é a realidade pessoal ou social aí descrita. A importância e o valor de Genet estão na sua capacidade de recodificar sua existência transformando-a numa experiência literária plena.
Querelle foi publicado pela primeira vez em 1947, vindo consolidar o reconhecimento, por parte da intelectualidade francesa, do brilho artístico do ladrão e presidiário, "poeta da marginalidade, do crime e da homossexualidade". Livro considerado por Sartre como o "mais extremista de toda a literatura mundial", QUERELLE é o exemplo do gênio que transforma uma vida degenerada no fulgor de uma literatura extasiante. A ponto de Genet afirmar sobre si: "Minha vida deve dar nascimento a uma emoção nova, que eu chamo poesia. Eu não passo de um pretexto".
Entre o bordel e o cais do porto de Brest, o marinheiro Georges Querelle entrega-se a um "alegre suicídio moral": ópio, assassinato, os corpos de outros marinheiros, para os quais ele é um cobiçado objeto ritualístico de prazer. Tudo compõe um intenso jogo de sedução e morte no qual Querelle se envolve, já sem saber se ativa ou passivamente. Ondas de emoções vagas que vêm quebrar-se numa paisagem imprecisa que marca o limite da sociedade das pessoas decentes e direitas.
Abandonado pela mãe, Genet foi criado num orfanato e, posteriormente, por camponeses. Quando adolescente foi mandado para vários reformatórios de jovens delinqüentes. Desertou da Legião Francesa aos 21 anos e perambulou pela Europa durante a década de 30, vivendo do roubo e da prostituição.
De volta a Paris, num espaço de sete anos, foi acusado por deserção, vagabundagem, falsificação de documentos e roubos.
Estava encarcerado quando, no outono de 1942, foi publicado seu primeiro poema: Le Condamné à Mort (O Condenado à Morte). Foi igualmente na prisão que ele redigiu Nossa Senhora das Flores e O Milagre da Rosa. Estava a ponto de ser condenado à prisão perpétua quando Jean Cocteau interveio em seu favor no tribunal. Genet foi solto em 1944. De 1945 a 1948 ele escreve obstinadamente três romances: Pompas Fúnebres, Querelle e Diário de um Ladrão; uma coletânea de poemas; um balé e três peças de teatro: Haute Surveillance, Les Bonnes (As Criadas) e Spendid's .
A petição de escritores lançada por Cocteau e Sartre, Genet obtém o perdão definitivo em 1949.
Entre 1955 e 1961 escreve e publica Le Balcon, Les Nègres e Les Paravents, que o elevam ao primeiro lugar entre os dramaturgos contemporâneos.
Vitima de um câncer na garganta desde 1979, Genet morre em abril de 1986.
Editora Nova Fronteira
Tradução de Jean Marie L. Remy Demetrio Bezerra de Oliveira
Assisti ao filme antes de ler o livro. O filme de Rainer Werner Fassbinder me impressionou, sobretudo, pela estética — de uma beleza espantosa! — e da interpretação dos atores. A trama me soou densa o suficiente para despertar interesse. Tanto que resolvi procurar o livro. Sempre acreditei na primazia dos livros em relação aos filmes que acabam por originar. Linguagens diferentes que muito dificilmente se coadunam de forma satisfatória. Assim, achei que as cenas do filme poderiam interferir negativamente na leitura, deturpando as imagens que caberiam a mim mesmo criar segundo o texto e minha imaginação. Mas não: ter visto o filme só contribuiu para que eu apreciasse ainda mais a intensidade da escrita de Genet. Talvez porque Fassbinder tenha conseguido captar (pelo menos no meu entender) com uma fidelidade surpreendente toda a estranha e complexa atmosfera ao mesmo tempo opressiva, sedutora e fatalista que as páginas do livro evocam. A poucos escritores coube tão bem o termo maldito. Jean Genet (1910-1986) recriou em peças e romances a mesma marginalidade radical que caracterizou sua vida. Foi na prisão que ele começou a escrever. Seus livros estão centrados em sua convivência com marginais e condenados que conheceu dentro e fora das prisões em que esteve. Seus textos abordam o homossexualismo, degradação e opressão social. Mas o que impressiona em suas obras não é a realidade pessoal ou social aí descrita. A importância e o valor de Genet estão na sua capacidade de recodificar sua existência transformando-a numa experiência literária plena.
Querelle foi publicado pela primeira vez em 1947, vindo consolidar o reconhecimento, por parte da intelectualidade francesa, do brilho artístico do ladrão e presidiário, "poeta da marginalidade, do crime e da homossexualidade". Livro considerado por Sartre como o "mais extremista de toda a literatura mundial", QUERELLE é o exemplo do gênio que transforma uma vida degenerada no fulgor de uma literatura extasiante. A ponto de Genet afirmar sobre si: "Minha vida deve dar nascimento a uma emoção nova, que eu chamo poesia. Eu não passo de um pretexto".
Entre o bordel e o cais do porto de Brest, o marinheiro Georges Querelle entrega-se a um "alegre suicídio moral": ópio, assassinato, os corpos de outros marinheiros, para os quais ele é um cobiçado objeto ritualístico de prazer. Tudo compõe um intenso jogo de sedução e morte no qual Querelle se envolve, já sem saber se ativa ou passivamente. Ondas de emoções vagas que vêm quebrar-se numa paisagem imprecisa que marca o limite da sociedade das pessoas decentes e direitas.
Abandonado pela mãe, Genet foi criado num orfanato e, posteriormente, por camponeses. Quando adolescente foi mandado para vários reformatórios de jovens delinqüentes. Desertou da Legião Francesa aos 21 anos e perambulou pela Europa durante a década de 30, vivendo do roubo e da prostituição.
De volta a Paris, num espaço de sete anos, foi acusado por deserção, vagabundagem, falsificação de documentos e roubos.
Estava encarcerado quando, no outono de 1942, foi publicado seu primeiro poema: Le Condamné à Mort (O Condenado à Morte). Foi igualmente na prisão que ele redigiu Nossa Senhora das Flores e O Milagre da Rosa. Estava a ponto de ser condenado à prisão perpétua quando Jean Cocteau interveio em seu favor no tribunal. Genet foi solto em 1944. De 1945 a 1948 ele escreve obstinadamente três romances: Pompas Fúnebres, Querelle e Diário de um Ladrão; uma coletânea de poemas; um balé e três peças de teatro: Haute Surveillance, Les Bonnes (As Criadas) e Spendid's .
A petição de escritores lançada por Cocteau e Sartre, Genet obtém o perdão definitivo em 1949.
Entre 1955 e 1961 escreve e publica Le Balcon, Les Nègres e Les Paravents, que o elevam ao primeiro lugar entre os dramaturgos contemporâneos.
Vitima de um câncer na garganta desde 1979, Genet morre em abril de 1986.
Wagner Campelo – Por um triz
8 Comments:
Em um resumo tão bem feito da vida de Genet vc esqueceu uma coisa de suma importância para nós, brasileiros. Genet esteve no Brasil mais ou menos em 69/70. Veio para ver “O Balcão”, em uma montagem histórica (se não me engano foi a primeira montagem da peça no mundo) produzida por Ruth Escobar e dirigida por Victor Garcia, diretor teatral radicado na França e amigo pessoal de Genet.( Ruth importou Victor Garcia para este trabalho) A peça é um marco no teatro brasileiro. Ruth foi corajosa, derrubou um teatro todo para construir um cenário fantástico, uma espiral de aço gigantesca, afunilada, onde ficavam os espectadores e as cenas sucediam-se subindo e descendo em plataformas móveis. Só quem viu pode dizer sobre a sensação e o impacto. A montagem brasileira deu até um livro que eu devo ter em algum lugar. Tive a sorte de participar disso meio na contramão. Conheci Genet, assisti os debates que ele fez com os atores. Foi uma experiência inesquecível. Desta montagem participaram Raul Cortez, Cazarré, Serginho Mamberti, Célia Helena, Paulo César Pereio, Dionísio de Azevedo, Emílio de Biasi, e outros que não me lembro mais. Também Querelle foi adaptado para o teatro e montada no Brasil, se n me engano por Carlos Verezza, mas n ficou em cartaz por muito tempo, me parece que foi proibida.
Um abraço
Excelente resenha, dessas que nos dá realmente vontade de redescobrir a obra e o autor. Foi boim ler o acréscimo da Vera no comentário, eu ignorava essa vinda de Genet ao Brasil.
O interessante deste espaço é justamente a possibilidade de se fazer acréscimos e comentários. Isso sempre enriquece o post em questão e quem tem a oportunidade de lê-lo.
EStive com o Querelle aqui em casa - emprestado por você, Wagner - mas quem diz que tive tempo pra ler? Ficou numa pilha de espera tão grande que acabei devolvendo. Mas ainda vou derrotar a pilha e peço o livro outra vez. Talvez inventem um dia de 48 horas.
Hi! Just want to say what a nice site. Bye, see you soon.
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Here are some links that I believe will be interested
Querelle foi montado no Rio,em 85,por Fabio Pilar & Francis Mayer,com direcao musical de Charles Khan,Rosa Magalhaes figurino,musica original de Cazuza,no elenco Rogeria,Gerson Brenner,Leonardo Franco,Guilherme de Padua,Renato Farias,entre outros.Com muito sucesso no Teatro Dulcina e depois seguiu temporada na UFF .
ah e nao foi proibida.
Carlos Vereza nao deve ter passado nem na porta.
Ah sim, mas eu falo de outros tempos, muito mais negros. Falo de 69/70.
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