segunda-feira, julho 24, 2006

A estepe

A Estepe
Anton Tchekhov

Nova Alexandria

Os textos de Tchekhov sempre dão a impressão de uma simplicidade absurda. Os enredos são mínimos, a histórias curtas, não existem enormes reviravoltas, não há grandes painéis da vida russa, nem dos centros urbanos nem das aldeias do interior. Sua linguagem é clara, direta, singela. Seus personagens são pessoas comuns, do povo, funcionários públicos, camponeses, pequenos intelectuais. Seu olhar focaliza o mínimo, o detalhe, o momento. E com sua tão aparente e falsa simplicidade, acaba captando, na verdade o essencial, a matéria-prima, o real.

Em A ESTEPE, o pequeno Iegóruchka, de nove anos e órfão de pai, está sendo levado pelo seu tio, o comerciante Ivan Ivanovitch Kuzmitchov e o padre Cristofor Siriiski, para morar em outra cidade e matricular-se na escola. Ele não entende o que está acontecendo, sente medo, desconforto. Com breves e rápidas pinceladas, ficamos sabendo que o tio e o padre vão negociar lã com o poderoso Varlámov e aproveitam a viagem para fazer o favor para a mãe do menino. Em poucos parágrafos, linhas, Tchekhov vai delineando as suas personalidades, seus pensamentos e anseios. Simplicidade não quer dizer simplismo. A apresentação é sempre rápida, mas percebemos o quanto são complexos, amplos, inteiros. Vivos.
Este é o fio de história, é um pretexto em realidade, para o desfile e a descrição dos tipos e pessoas pelos quais cruzam. Os donos judeus da pousada onde param para perguntar do paradeiro de Varlámov, os camponeses, a camponesa com seu filho. A natureza em Tchekhov também adquire presença, personalidade, força, vontade. Pode começar com uma brisa suave que embala a sonolência e alivia um pouco o calor. Ou então cai e bate com poderoso temporal, criando momentos de pura poesia em prosa.

"Do outro lado das colinas um trovão ribombou surdamente e soprou uma aragem fresca. Denishka assobiou alegremente e fustigou os cavalos. O padre Cristofor e Kuzmitchov seguravam os seus chapéus e dirigiram o olhar para as colinas... Tomara que caia a chuva!
Mais um pequenino esforço, um só, e a estepe se teria libertado. Mas uma força invisível, opressora, pouco a pouco prendeu o vento e o ar, assentou a poeira, e o silêncio instalou-se novamente como se nada tivesse acontecido. A nuvem escondeu-se, as colinas queimadas ficaram sombrias, o ar paralisou-se submissamente, e só as aves-frias choravam em algum lugar,lamentando sua sorte.
Logo depois, chegou a noite."

Extraordinário é o momento quando aparece a Condessa Dranitiski. São só alguns parágrafos, nem dá para acreditar nisso! E, no entanto, ela agita a todos com sua beleza, com a frescura de sua mocidade e juventude, acende a imaginação do pequeno Iegóruchka. E a nossa, leitores, que também temos que nos contentar com sua breve, tão breve, aparição. Dýmov, por outro lado, é o camponês bruto, forte e maldoso, com o qual nos antipatizamos logo de cara. Mas, de repente, Tchekhov mostra toda sua maestria: com apenas algumas frases, vislumbramos todo um abismo de dor e revolta no meio daquela violência irracional, toda uma vida sufocada e exasperada. Junto com Iegóruchka também ficamos confusos, quase paralisados com a complexidade do problema: nada é tão simples, não se pode fiar na aparência do imediato. Aprendemos a visualizar tons e matizes mais aprofundados nos seres humanos.
Assim, não nos deixemos enganar por esta sua delicadeza, este gentileza, esta tal de Simplicidade. Tchekhov toca fundo e fácil pois era um mestre tal como fazia igualmente com bisturi que também manejava, pois era médico além de ser escritor e dramaturgo.
A ESTEPE é uma de suas obras mais louvadas; pela sua beleza é mesmo um clássico. Diz-se que tem traços autobiográficos, que estaria retratando um pedaço de sua própria infância. É provável que seja, mas não sei se isso modifica em demasia o prazer que tiramos de sua leitura. O subtítulo, "História de uma viagem" é fácil de ser interpretado como mais do que a simples transição de um lugar para o outro; é uma transição pessoal, um rito de passagem para Iegóruchka / Tchekhov. E a nossa.

Claudinei Vieira Desconcertos

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Bem vindo ao Rose, Claudinei.Gostei da resenha, abração e obrigada

24 julho, 2006 21:01  
Blogger Leila Silva said...

Bem vindo, Claudinei. Eu tambem gostei muito da sua resenha e este blog esta ficando mesmo cada dia mais rico.

Abracos
Leila

25 julho, 2006 11:51  
Anonymous Anônimo said...

Tambem dou as boas-vindas, Claudinei. Tchecov - e os russos em geral - estao num lugarzinho especial em minha estante.

25 julho, 2006 19:05  
Anonymous Anônimo said...

VAleu, obrigado pela recepção. Gostei do lugar, gostei muito de vocês. Estou muito à vontade, somos amigos que compartilhamos com o mesmo fervor desse objeto de fetiche, o livro. abraços

25 julho, 2006 19:39  
Blogger Wellington Mendes said...

A Estepe é deveras uma obra prima ao longo da qual encontramos grandes momentos, contudo considero o ápice quando ao final o tio de Iegoruchka, um homem rústico e sisudo para quem os négocios são o centro da vida, olha para o sobrinho, enrubece e lhe sorri com bondade. O menino, por sua vez, se comove ao se despedir do velho padre sorridente, sabendo que não o verá outra vez. A Estepe não tem fim e Anton Pavlovich, para mim, é o maior.

28 março, 2011 19:29  

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