sábado, julho 08, 2006

O virtuose


Margriet de Moor

Companhia das Letras

Tradução de Paul Van Dender


Admito: comprei o livro pela bela capa. Aliás, capa e sobrecapa. A instigante voluta da sobrecapa se prolonga até o verso delineando o que parece o capitel de uma coluna antiga em meio à penumbra de um teatro. Na capa, uma bonita gravura barroca em bico de pena, se espalha pela lombada até o verso, sobre um fundo dourado. No interior, um projeto gráfico impecável. Em suma, o livro de bolso mais "luxuoso" que já havia visto. Como resistir a um primor estético desse quilate? (na época, eu ainda podia me dar a esse luxo).
O texto? Bem, digamos que possui méritos e deméritos (pelo menos na minha opinião). O que mais me agradou foi a forma moderna que a autora holandesa usou para contar essa história antiga, barroca. O que deveria soar incoerente, acaba sendo um trunfo. Eu, geralmente avesso a narrativas não-lineares, não me perdi em momento algum num texto que revela desordenadamente a história dos personagens como lembranças distantes e recentes. Por outro lado, perto do fim, o livro perde a intensidade e a expectativa que acabei criando não se cumpre: parece que faltou algo mais definitivo, mais finito. Há ainda um "elemento adicional" que pode agradar tanto a alguns como desagradar a outros: a música. Quem conhece teoria musical ou toca algum instrumento verá no livro um "sabor" que para quem não é iniciado nessa arte talvez soe exagerado. Sorte a minha estar no primeiro caso. Mas isso não significa que o livro se destine especificamente aos "iniciados". Ainda que eu não tenha achado o final surpreendente (eu e essa minha mania estranha...), creio que o livro seja interessante para quem pretende conhecer algo da literatura holandesa atual.

A história se passa numa época em que um cantor de ópera podia tranqüilamente descascar uma laranja no palco, enquanto esperava sua vez de cantar. E não parecia estranho que marido e mulher formassem outros pares, ele com um jovem amigo, ela com um cantor castrado, todos apaixonados.
"A essência de todo enigma é uma pergunta, em última análise". Numa narrativa não-linear que combina a informalidade do registro coloquial e a prosa quase poética, Margriet de Moor vai à Itália do século XVIII para ambientar esse romance que transforma pequenas surpresas em perguntas.
O virtuosismo vocal de Gasparo se deve à mutilação do corpo. Sua arte é fruto de um assalto à natureza. Mas não há nenhum drama na vida de Gasparo. "Seu corpo é o que você é", diz a narradora. E ele, o castrato, é perfeito — na voz, na técnica vocal, na musicalidade, no modo como simula a mais bela das mulheres ao entrar em cena num papel feminino. O fascínio que Gasparo exerce no palco arrasta Carlotta para uma fantasia erótica que não foge às praxes amorosas da época. Aqui os papéis sexuais podem ser mais fluidos, música pode ser desejo, conhecimento pode ser prazer, virtuosismo pode ser virtude. E "cantar é um comportamento íntimo que, contrariando a regra, não se guarda em segredo".

Margriet de Moor nasceu em 1941, na Holanda. Estudou canto e piano. Estreou na literatura com novelas e contos e em 1993 lançou o romance Primeiro Cinza, Depois Branco, Depois Azul traduzido para diversas línguas. O Virtuose, de 1994, é sua primeira obra lançada no Brasil.

Wagner Campelo Por um triz

3 Comments:

Blogger Leila Silva said...

Wagner,
A capa é bonita mesmo, já me aconteceu tb de comprar um livro pela capa e conheço um colecionador de livros (bastante respeitado) que tem uma estante de livros adquiridos só por causa da capa. Este que vc resenhou me deixou bastante curiosa pelo tema também.
Abraços

09 julho, 2006 10:06  
Anonymous Anônimo said...

Nice colors. Keep up the good work. thnx!
»

19 julho, 2006 22:52  
Anonymous Anônimo said...

Here are some links that I believe will be interested

06 agosto, 2006 18:16  

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