terça-feira, outubro 31, 2006

Relações perigosas

Relações perigosas
Choderlos de Laclos


Nova Cultural

“Relações Perigosas” é um verdadeiro tratado de maquiavelismo pessoal e social. Os personagens principais, o Visconde de Valmont e sua amiga/amante/adversária Marquesa de Merteuil possuem um único propósito na vida: brincar com os sentimentos, a vida e os destinos das pessoas que, por azar, estejam sendo alvo dos seus interesses. À Marquesa de Merteuil interessa, por exemplo, desgraçar seu ex-marido: este tivera a ousadia de se separar dela para concluir uma fantasia: a de se casar com uma mulher pura e não maculada pela sociedade e para isso, escolheu uma menina recém-saída de um colégio de freiras. As garantias foram dadas e o casamento estava sendo marcado.
Realmente, a menina era uma tola e uma ignorante, segundo as concepções da Marquesa, mas seu plano era bem simples: pediu ao seu grande amigo e companheiro de aventuras, Valmont, para seduzir e “ensinar” a pequena Cecile, convencendo-a de que precisava conhecer todos os detalhes de uma vida de esposa para poder satisfazer de verdade seu futuro marido. E é lógico que todo esse “conhecimento” seria um segredo, uma surpresa para ser revelada somente na noite de núpcias.
Valmont, no entanto, rejeita o plano e a incumbência. Ele precisa de desafios, de grandes dificuldades, de obstáculos. Qual o sentido de seduzir uma menininha besta, saída de um colégio de freiras? Qualquer um faria isso! O primeiro que aparecesse! Isso até mancharia sua fama de grande sedutor.
Mesmo porque, ele está diante de um desafio verdadeiro, algo digno de suas potencialidades: a linda, fechada, beata e, aparentemente, incorruptível, Madame de Tourvel. Religiosa, devotada ao marido, incomunicável para o mundo. Conquista-la seria um grande premio para Valmont, uma das suas maiores façanhas.
Observamos as intrigas, as artimanhas e a imoralidade de dois grandes devassos em uma França que está preste a ser convulsionada pela Revolução Francesa no final do século XVIII. Acompanhamos suas tramas, os detalhes, as sugestões que eles se trocam quando um dos dois não está conseguindo avançar nos seus planos. O livro é montado através das cartas onde eles contam o que estão fazendo, o que aconteceu no dia anterior, o que não está dando certo e pedidos de auxilio.
O autor, no entanto, não os condena por serem indivíduos maus e degradados. A Marquesa de Merteuil e Valmont são representantes de uma sociedade falida e sem escrúpulos, sem nenhum senso de moral. E, ao mesmo tempo, vistosa, bonita e luxuosa. Impossível não ser conquistado, impossível não cair na sua lábia. É quase com prazer que somos sugados, usados como brinquedos e depois jogados fora quando a brincadeira não lhes rende mais diversão. Certamente, Valmont e a Marquesa são os vilões (coitadas das vitimas que caem em suas mãos!) e Choderlos de Laclos não nos deixa esquecer disso. Acontece que eles são simplesmente os mais aptos em uma sociedade onde se engana ou se é enganado, ou se pisa ou é pisado. Se eles são falsos ou imorais é porque todos são falsos ou imorais, todos fazem parte do mesmo jogo de destruição moral.
É interessante relacionar tudo isso com a própria vida do autor, Choderlos de Laclos, pelo fato de que não tinha, absolutamente, nada a ver com essa obra. Isto é, Valmont não era de forma alguma uma representação do seu criador. Nascido em 1741, Laclos foi militar, chegou a ser general sob as ordens do próprio Napoleão, mas deixou as armas para se dedicar aos seus escritos. Literariamente falando, sua única obra de real importância foi “Relações Perigosas” apesar de até ter escrito bastante: tratados de estratégia militar, crítica literária, poesia erótica... Um destaque é para uma espécie de manifesto escrito junto com sua futura mulher, Marie-Soulange Duperré, chamado “A Educação das Mulheres”, onde defendem a igualdade entre os sexos.
Um dos pontos altos de “Relações Perigosas” é justamente um momento quando a Marquesa de Merteuil se dispõe a explicar como acabou se tornando a pessoa que Valmont, e os leitores, conhecem. Ela demonstra como absorveu toda a educação recebida para ser uma mulher submissa e obediente. Estudou a sociedade, tornou-se uma observadora atenta, leu, conversou, perguntou. Acumulou conhecimento, tateou daqui, experimentou dali. Quando, então, por fim, consegue fazer tudo o que sempre quis, utilizando todas as ferramentas criadas para a sua submissão. E, o melhor de tudo, mantendo uma fachada irrepreensível de moral inatacável, a qual nem mesmo Valmont conseguiria quebrar. De leitura fácil e simples, as cartas de “Relações Perigosas” vão num crescendo de paixão, suspense e tensão. Pois chega um momento quando os lobos começam a se atacar, isto é, Valmont e a Marquesa de Merteuil se tornam inimigos. A sociedade estremece. E o mundo da literatura também.

Claudinei Vieira
Desconcertos

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Amigo, a Marquesa só foi casada uma única vez. Gecourt só foi amante desta.
Toda obra deve ser entendida claramente antes de ser comentada.

30 setembro, 2010 12:02  

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