domingo, janeiro 07, 2007

Borges

Borges – O Mesmo e o Outro
Álvaro Alves de Faria
Coleção Ensaios Transversais
Escrituras, São Paulo, 2001.

Álvaro Alves de Faria, jornalista e poeta paulistano, entrevistou Borges em setembro de 1976. Foram duas tarde de sol em Buenos Aires. Borges já tinha quase oitenta anos, não tinha mais dona Leonor por perto, mas o jornalista podia sentir a presença dela no ambiente sombrio da sala de Borges. A mãe, de quem o escritor dependeu durante toda a vida, que dizia que estava cansada de viver tanto, morreu com 99 anos. O jornalista descreve Borges, atentando para sua decadência física, o mito já velho, as unhas bem feitas. Não esconde o quanto se sente diminuto diante daquele monumento, daquele mistério que era Borges. E se pergunta por que razão ele o teria recebido. Borges quase nunca responde às perguntas de Álvaro, fala do que quer e quando quer e só até onde quer também. São lembranças esparsas e aleatórias, ora fala de um bispo que se ofendeu quando de sua visita a Jujuí porque o escritor disse aos estudantes que ‘tudo terminava com a morte’. Ora vai desfiando as contrariedades: Perón, o Nobel que nunca recebeu, o idioma espanhol. Diz preferir a língua inglesa. Para ele, ‘conhecer poemas em língua inglesa é um privilégio. E também um privilégio conhecer o mundo por meio da língua inglesa.’ Lembra que Malraux também nunca recebeu o Nobel, ‘uma grande injustiça’.
E Borges vai falando de muitas coisas ao mesmo tempo, saltando de uma para outra, amigos, livros, escrita, ‘um escritor não deve ficar remexendo em seu texto, alterando a idéia inicial. Não existe qualquer proveito nesta prática. O texto nasce como deve nascer. ’
Neruda? ‘Foi um poeta medíocre, dos piores que conheceu em toda sua vida, mas a política fez dele um grande poeta latino-americano.’ E não é só Neruda que despreza, são todos os escritores latino-americanos, excetuando seu amigo Bioy Casares. ‘Não existe nada na América Latina. O continente inteiro é um romance mal escrito.’ Da literatura brasileira não conhece quase nada, alguns poemas de Carlos Drummond de Andrade, outros de Cecília Meireles e o nome de Euclides da Cunha. Só o nome.
A mãe sempre presente, seja nos inúmeros retratos do salão, seja na fala do escritor. Há também um elevador barulhento que irrita entrevistador e entrevistado. Um entrevistador fascinado que não sabe bem a hora de partir, que se confunde com a falta de respostas e confunde as perguntas, lamenta algumas que já fez. Confuso diante do ‘maior escritor do mundo’, um velho que defende o regime dos militares, é racista. ‘Franco era merecedor de todos os meus elogios’. Diz o escritor. O jornalista explica: ‘Tento falar do fuzilamento de Garcia Lorca, mas o assunto nasce comigo e morre comigo mesmo. Nem uma palavra.’ Garcia Lorca, a quem Borges chamara de andaluz profissional, não lhe interessava naquele momento. Não mais que o elevador barulhento.
É um Borges cansado, amargurado e solitário que se arrasta pelas setenta páginas deste livrinho. Livrinho só no sentido físico. Uma parte das setenta páginas é recoberta de fotografias que o jornalista mesmo fez do escritor argentino. Um belo livro esse Borges, o mesmo e o outro.

Leila S. Terlinchamp - Cadernos da Bélgica

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1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Isso é Borges, contradição pura. Bela resenha Leila.

Beijo,

UK

10 janeiro, 2007 20:21  

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