domingo, abril 29, 2007

Quixote - Portinari - Ventura de ser louco














– A ventura vai guiando as nossas coisas melhor do que pudéramos desejar; pois vê lá, amigo Sancho Pança, aqueles trinta ou pouco mais desaforados gigantes, com os quais penso travar batalha e tirar de todos a vida, com cujos despojos começaremos a enriquecer, pois esta é a boa guerra, e é grande serviço de Deus varrer tão má semente da face da terra..

– Que gigantes? – disse Sancho Pança.

– Aqueles que ali vês – respondeu seu amo –, de longos braços, que alguns chegam a tê-los de quase duas léguas.

– Veja vossa mercê – respondeu Sancho – que aqueles que ali aparecem não são gigantes, e sim moinhos de vento, e o que neles parecem braços são as asas que, empurradas pelo vento, fazem rodar a pedra do moinho.

– Logo se vê – respondeu D. Quixote – que não és versado em coisas de aventuras: são gigantes, sim; e se tens medo aparta-te daqui. E põe-te a rezar no espaço em que vou com eles me bater em fera e desigual batalha.


É essa ventura de ser louco que fez com que Antonio Cândido Portinari deixasse Brodowski, aos 15 anos, para estudar no Rio de Janeiro, no Liceu de Artes e Ofícios. O Candinho filho de imigrantes italianos, que nasceu no dia 29 de dezembro de 1903 em uma fazenda de café. O pintor premiado que foi estudar em Paris para mostrar ao mundo os lavradores, os meninos empinando pipa, o azul de seu céu.Como D. Quixote, Candinho ensinou o direito de tornar os sonhos reais. Construiu uma capela no quintal de sua casa só para a sua avó, dona Pelegrina, poder rezar. Como ela não podia andar, o pintor fez a Capela da Nona (recém-restaurada, fica junto do Museu Casa de Portinari, em Brodowski). Decorou as paredes com afrescos de Santa Isabel, Nossa Senhora, João Batista e a Sagrada Família com os rostos de sua esposa Maria, sua irmã Olga e o irmão Lói. Como D. Quixote, o pintor deu vez ao povo. Na série Retirantes, documentou a dor e buscou a esperança. Quando estava na França, desabafou nas cartas para a família: “Palaninho só tem um dente, usa calças brancas de saco de farinha de trigo, cheias de remendos escuros de pano listrado; ainda se nota o carimbo da marca da farinha. Palaninho é beira-córrego e dono de um sítio. Eu uso sapatos de verniz, calça larga, colarinho baixo e discuto Wilde, mas no fundo eu ando vestido como Palaninho e não compreendo Wilde. Tenho saudades de Brodowski, pequenininha, duzentas casas brancas de um andar só, no alto de um morro espiando para todos os lugares”


Leila K Moreno – Jornal da USP
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