sexta-feira, setembro 22, 2006

Elizabeth Bishop - Inéditos

Acaba de ser publicado em Nova York um livro com mais de 350 páginas com todos os inéditos de Elizabeth Bishop, incluindo trinta ou quarenta esboços de poemas escritos no Brasil. Ela viveu por mais de vinte anos em nosso país, de 1951 até o começo da década de 70.
Os trabalhos agora revelados em “Edgar Allan Poe & the Jukebox” (Farrar, Straus and Giroux) raramente podem ser considerados poemas completos, e muitas vezes funcionam como registro de observações cotidianas, com variantes de possíveis versos à margem do texto principal. De qualquer modo, há muitas curiosidades para o leitor brasileiro, como as estrofes dedicadas a Carlos Lacerda por ocasião da morte de Getúlio Vargas. Têm por título “Suicídio de um Ditador Moderado”, e dizem, por exemplo, que Os jornais já tinham sido vendidos; as bancas/já estavam fechadas. Mas de qualquer modo, durante a noite/as manchetes se escreveram sozinhas (...) Este é um dia que está bonito também,/e quente e calmo. Às sete da manhã eu vi/os cachorros sendo levados para passear pela praia famosa/como sempre, numa aurora de brilho cinza e verde,/deixando a marca de suas patas na areia úmida./(...)Às oito, dois meninos empinavam pipas.
Nada além de um esboço, talvez, mas pode-se intuir a sugestão de uma indiferença natural diante da história mesmo num evento incomparavelmente traumático como a morte de Getúlio. A beleza esmagadora da paisagem carioca teria o efeito de acentuar a desproporção brasileira entre História e Natureza. De resto, para quem nasceu num país em que vários presidentes foram assassinados, a idéia de um presidente suicida deve ter um componente a mais de estranheza; é nesse sentido que “as manchetes se escreveram por si mesmas”, como que sem intervenção humana.
Dedicando o poema a Carlos Lacerda, principal carrasco político de Vargas, Elizabeth Bishop parece investir sobretudo numa idéia de purificação. Cumpriria, em tese, celebrar o fim de um governo corrupto e elogiar a atividade de denúncia jornalística; numa estrofe anterior ela fala de uma “verdade” que finalmente aparecerá, como o conteúdo de um cinzeiro sujo. Ao mesmo tempo, o quadro da praia de Copacabana ao amanhecer mistura imagens de pureza cotidiana com uma sensação de neutralidade, acima do mundo das responsabilidades políticas reais. “Parabéns, o ditador está morto, mas não se sinta um assassino em função disso”: se esta interpretação é correta, o poema estava enveredando em caminhos emocionais e éticos de tal modo tortuosos que não admira ter sido abandonado.

Transcrevo, de qualquer modo, o original em inglês.

This is a day when truths will out, perhaps;/leak from the dangling telephone ear-phones/sapping the festooned switchboards’ strength;/fall from the windows, blow from off the sills,/ --the vague, slight unremarkable contents/of emptying ash-trays; rub off on our fingers/like ink from the un-proof-read newspapers,/crocking the way the unfocused photographs/of crooked faces do that soil our coats,/our tropical-weight coats, like slapped-at moths.// Today’s a day when those who work/are idling. Those who played must work/and hurry, too, to get it done,/with little dignity or none./The newspapers are sold; the kiosk shutters/crash down. But anyway, in the night,/The headlines wrote themselves, see, on the streets/and sidewalks everywhere;/a sediment’s splashed/ even to the first floors of apartment houses.//This is a day that’s beautiful as well,/and warm and clear. At seven o’ clock I saw/ the dogs being walked along the famous beach/as usual, in a shiny gray-green dawn,/leaving their paw prints draining in the wet./The line of breakers was steady and the pinkish,/segmented rainbow steadily hung above it./ At eight two little boys were flying kites.

Marcelo Coelho –
Blog do Marcelo

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

O comentário, evidentemente, não é para o blog, mas para o autor do texto: "Ditador", eleito pelo povo, no cumprimento de seu mandato, com parlamento aberto, imprensa livre? Ainda bem que o texto fala em "governo corrupto", melhor seria "país corrupto", porque o próprio, o "ditador", este tem carta de honestidade passada no cartório da história. O articulista se esquece de anotar que o homenageado da poetisa, este sim, era um candidato a ditador, frustrado, é bem verdade.
O poema inacabado da grande poetisa é magnífico. Me fez lembrar de "Agosto", de Rubem Fonseca, principalmente do seu final, com a mesma exploração do motivo da indiferença da natureza diante da história. O artigo é bom ao divulgar a publicação do fundo de gaveta de Bishop. A lamentar só o fato de o Marcelo Coelho, o autor, ser paulista. E ler paulista falando de História do Brasil é dose...

23 setembro, 2006 09:59  
Blogger Vera do Val said...

É um gde prazer tê-lo conosco, Marcelo. Em que pese o mau humor do meu amigo Cambará,(que por sinal mudou dos pampas para as montanhas das Geraes) tb sou paulista e nós n falamos da Historia do Brasil, nós a fazemos. Beijão

23 setembro, 2006 11:42  
Anonymous Anônimo said...

Obrigado pela citação, Vera! Parabéns pelo blog- está lindo, e o meu texto melhorou com seu tratamento!
Marcelo Coelho

23 setembro, 2006 16:12  

Postar um comentário

<< Home

Free Web Hit Counters
Free Counters