terça-feira, setembro 19, 2006

Os Olhos Verdes



Marguerite Duras (1914-1996)

Editora Globo, 1988
Tradução de Heloisa Jahn

O livro Os olhos Verdes é uma reunião de vários textos de Marguerite Duras escritos para a Cahiers du cinéma, revista que tem permanecido por muitas décadas, a publicação mais respeitada na área de cinema no mundo. Marguerite Duras foi responsável pelo número especial de junho de 1980. Era um costume da revista convidar cineastas para dirigirem edições especiais, Godard e Wim Wenders já tinham passado por esta experiência antes de Duras.

Marguerite Duras é uma provocadora, provoca o leitor, o espectador, o crítico e decerto a si mesma porque não é, ou melhor, não era, uma dessas pessoas contentes. Mas não é uma provocadora vazia, alguém que contesta por contestar ou para ganhar espaço, fosse assim já teria sido esquecida. Duras é extremamente autêntica e pessoal. Eu, inclusive, nem gosto da provocação em si de um modo geral. Muitos usam isso como método para promoção, a regra é ‘provocar’....ou melhor, me expressei mal, a provocação é boa sim porque tem a vantagem de despertar, de dar uma sacudida, de levar à dúvida e é sempre bom ter dúvidas, o que não aprecio é uma certa atitude atual do ‘sou contra’, é um espernear confundido com provocação. Duras era muito inteligente e perspicaz para ser uma ‘esperneadora’, nela sim, o termo provocadora cai bem. Devia ser terrivelmente chata porque não aceitava compromissos em nome de nada, preferia fazer um filme para meia dúzia de pessoas do que ceder, trabalhava com orçamentos baixíssimos. Pagava um preço alto para ser sempre ‘ela mesma’ e na verdade é conhecida e respeitada por essa mesma razão, por essa obstinação em ser a Marguerite Duras, ainda que isso doesse muito. E eu acho que doía.

Um dos textos deste livro é dedicado ao espectador, é um dos meus preferidos. Uma cineasta que pensa ‘realmente’ no espectador e fala dele e com ele talvez não seja assim tão fácil de encontrar. Certo, muitos pensam no espectador, mas como um número, um cliente, um sujeito passivo, Duras não, ela pensava nele com respeito, como ser humano, ou melhor, como indivíduo e sem ser condescendente em momento algum. Ela aceita que há um tipo de espectador que nunca vai ser atingido pelo seu cinema e prefere (preferia) não fazer cinema para muitos, trabalhar com pequenos orçamentos e ficar livre de compromissos para trabalhar em outros.

Em outro artigo, Fazer cinema, a autora discorre sobre as diferenças do seu trabalho cinematográfico e aquele cinema feito pelos profissionais. Um, os cineastas quantitativos, e outro, cineastas como Duras, nunca se encontram e nunca terão o mesmo público. Para ela está bom assim.

Em outro momento ela faz um paralelo entre Woody Allen e Chaplin, ama Chaplin por ser ele universal e não aprecia os limites geográficos de W. Allen (América do Norte, Nova York, Manhattan). Diz que ao lado de Chaplin Woody Allen é um ‘avaro’, um ‘economizador’. Lembrando mais uma vez, são artigos dos anos oitenta, de lá pra cá, W. Allen fez muitos outros filmes. Esse de quem ela fala é o cineasta de Annie Hall, já muito bem visto na França, por isso mesmo ela escreveu sobre ele.

Outro artigo tem por título Renoir, Bresson, Cocteau, Tati, em cada parágrafo ela coloca o nome de um dos cineastas e logo depois coisas do tipo: gosto, não gosto. Ela mesma diz que ‘ esse pessoal do Cahiers du cinéma’ a deixou muito livre para escrever ‘o que quisesse’, ‘como quisesse’. Um dos parágrafos deste artigo trata da cineasta....Duras. “Não gosto de tudo que Duras fez, mas India Song, Son nom de Venise dans Calcutta désert, Le camion....sei que são das coisas mais importantes que já se fizeram no cinema.”

Outra parte do livro trata da crítica que, segundo ela, não sabe realmente criticar, julga os filmes pelo orçamento. Excetuando um ou dois, não há mais ‘descobridores de filmes’. E volta a Chaplin em outro artigo, uma citação que vale a pena: “Dizem que a grande sorte de Chaplin foi ter chegado na época do mudo. Digo que essa dimensão do mudo jamais foi atingida no falado.”

Recebi este livro de presente em 1990, de amigo invisível, aliás. Quem disse que a gente só recebe porcaria de amigo invisível? Das pouquíssimas vezes em que participei de um recebi Os Olhos verdes da amiga Tereza, está escrito aqui o nome, a data e uma dedicatória. Tereza era colega dos cursos de francês e perdeu-se nesse labirinto de meses, anos, décadas...e eu gostava dela. O livro já tem umas páginas amareladas, ficou muitos anos fechado, agora o reli com mais prazer do que naquela época e ‘naquela época’, 1990, Duras vivia ainda. Fiz algumas pesquisas e não encontrei nada mais sobre este livro na internet, acho que nunca mais foi reeditado. O prefácio é de Inácio Araújo, destaco uma parte de seu texto: “Também ela uma deslocada, essa francesa nascida na Indochina, parece apresentar-se como o judeu, cuja pátria de origem é, sempre, o exílio. Ao contrário de tantos diretores para quem o cinema tornou-se uma espécie de ‘verdadeira pátria’, para Marguerite Duras ele se constitui – tal qual a língua – em outro exílio.”

O verdadeiro nome de Duras é Marguerite Donnadieu, ela nasceu em Saïgon, em abril de 1914 e morreu em Paris em março de 1996. Foi escritora, roteirista, cineasta, seu trabalho mais conhecido deve ser o livro autobiográfico O Amante que lhe rendeu o importante prêmio Goncourt, foi traduzido para mais de 40 línguas e levado às telas por Jean-Jacques Annaud, o resultado parece não ter agradado em nada a escritora. Outro de seus trabalhos conhecido é o roteiro do famoso Hiroshima mon amour de Alain Resnais, uma das obras primas da Nouvelle Vague.

Leila S. Terlinchamp - Cadernos da Bélgica

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