domingo, setembro 10, 2006

A morte feliz

A morte feliz
Albert Camus

Tradução de Valerie Rumjanek
Editora Record

O mais sombrio — e belo! — dos livros de Camus, na minha opinião, A morte feliz me seduziu desde a primeira página, e me marcou profundamente. Talvez minha empatia com o texto de Camus se devesse ao momento confuso no qual me encontrava, exilado de certa forma, tentando descobrir que direção dar a minha existência, mas tendo que dividir com outrem as rédeas desse "transporte" denominado vida — um equívoco que jamais voltarei a cometer. A leitura do livro também foi feita, alternadamente, por dois olhares distintos, o que talvez tenha contribuído para torná-lo ainda mais interessante — ler e comentar /questionar/especular ao fim de cada capítulo: um "exercício" e tanto! Foi o último livro de Camus que li — e me pareceu tão definitivo que não tive ânimo para ler os dois livros do autor que acabei adquirindo algum tempo depois. Preciso me livrar dessa sensação de finitude e me dedicar a O Homem Revoltado e também a Núpcias e O Verão. Os demais livros de Camus já conheço e recomendo. Na revolta latente do homem, na preocupação com a justiça e na busca incessante da liberdade, Albert Camus (1913-1960) encontrava as justificativas para sua vida e obra. Transformou em tema constante o absurdo da condição humana, sempre levado às mais extremas e delicadas situações. E trazia consigo uma idéia tão simples quanto marcante: "A arte e a revolta só morrerão com o último homem". A morte feliz, publicado postumamente, é um livro típico de Albert Camus, escritor profundo, formado em Filosofia. A morte como temática é encontrada também em outros livros de sua autoria, tanto quanto é o cenário deste romance sua terra natal. A época é a década de 30, e a história se desenrola principalmente na Argélia. No enredo de A morte feliz, o protagonista é Patrice Mersault, obscuro empregado subalterno, que por intermédio de Marthe, jovem com quem está vivendo um caso amoroso, conhece seu ex-amante, Roland Zagreus, homem fino, instruído e de posses, porém inválido. Mersault alimenta antigos sonhos de independência financeira, único meio que vê para livrar-se da vida medíocre que leva, e não perde a oportunidade quando ela se apresenta: mata Zagreus para roubá-lo, ato que marca profundamente o personagem. Cometido o crime, Mersault torna-se o que sempre almejara ser, independente, dono de seu tempo, e com o dinheiro do roubo empreende uma viagem a Praga. A estada em Praga (na segunda parte do livro), compreende um período curto do enredo, que prossegue com a volta de Mersault à Argélia em busca do sol a que estava acostumado e que não pôde encontrar igual na Europa. Passa, nessa época, por duas experiências opostas: vive na Casa Diante do Mundo, em comunidade com suas amigas Catherine, Rose e Claire; e posteriormente, tendo desposado outra jovem, Lucienne, dedica-se a uma existência de total solidão. E compreende então que temer a morte significava ter medo da vida, e que, de todos os que tinha dentro de si, escolhera realmente aquele que criara seu destino, decisão tomada consciente e corajosamente. Albert Camus nasceu na Argélia (na época uma colônia francesa), em Mondovi, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, que vitimaria seu pai, um ex-operário. Isso obrigou a família a mudar-se para Argel, a capital, onde viveriam em extrema penúria com a pensão de guerra fornecida pelo governo. Mesmo assim, Camus conseguiu concluir o curso secundário e bacharelar-se em letras graças a uma bolsa de estudos, presente de um antigo professor. Vítima de tuberculose, casado e já divorciado aos vinte e um anos, trabalhou como escriturário, funcionário público e vendedor de peças de automóvel, e teve, nesse meio tempo, passageira ligação com o Partido Comunista, antes de interessar-se por teatro e partir para a carreira jornalística. Sua primeira obra, O Avesso e o Direito (L'envers et l'endroit), foi publicada em 1937, um ano antes de ingressar no jornal Algérie Républicaine, de onde sairia após ser convidado a deixar o país por suas constantes críticas à censura. Estabelecido na França como secretário de redação no Paris Soir, começou a escrever O Estrangeiro, lançado em 1942, juntamente com O mito de Sísifo e a edição clandestina de Cartas a um amigo alemão. Já em plena Segunda Guerra Mundial, entra para o jornal Combat de resistência aos nazistas, e monta duas peças teatrais, a primeira, " Le Malentendu", em 1944, com pouco sucesso, compensado pela magnífica repercussão de Calígula, no ano seguinte. Considerado o "profeta do absurdo", Camus salientava a importância de estudar profundamente as coisas absurdas da vida para poder combatê-las. Seja em A peste (1947) ou em O Homem Revoltado (1951), quando rompeu definitivamente com o existencialismo de seu ex-amigo Sartre, seja como cronista ou dramaturgo, Camus jamais abandonaria seus anseios de justiça e revolta, sempre em favor da vida, nunca contra ela. Premiado em 1957 com o Nobel de literatura, famoso e respeitado em todo o mundo, o escritor argelino cruzaria ainda uma vez com as agruras do destino, que certa vez profetizara: "Morreremos todos de morte violenta neste mundo de doidos..." Em janeiro de 1960, na estrada que liga a cidade de Sens a Paris, uma derrapagem causa violento acidente. No automóvel, três sobreviventes e uma vítima fatal: Albert Camus, quarenta e sete anos incompletos.

Wagner Campelo

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Estou com 2 livros seus para devolver, e aguardando o que você me prometeu. Pode trazer também este aqui?

15 setembro, 2006 11:34  
Anonymous Anônimo said...

A primeira tentativa de Camus perpetrar O estrangeiro resultou num romance que é poético e profundo da primeira à última página. Para ler e reler até no túmulo.

16 setembro, 2006 15:59  
Blogger Mateus Gueller said...

que texto bacana.. e principalmente o fim, o qual me despertou fortes reações passionais...

23 junho, 2010 15:19  

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