domingo, outubro 01, 2006

Amélie Nothomb


Biografia da Fome[1]


Amélie Nothomb é uma escritora belga que nasceu em 13 de agosto de 1967 em Kobe, no Japão onde o pai trabalhava como diplomata. Seus livros são traduzidos em 35 países, ela publica em média um livro por ano, vende sempre em torno de 700.000 exemplares de cada.

Biografia da fome é, certamente, um título estranho, mas o personagem do livro não é realmente a fome e sim a própria Amélie Nothomb, ela e sua fome de tudo, doces, vida, amor. As primeiras páginas não me interessaram muito e a sua tentativa de explicar a escolha do assunto partindo de Vanuatu, um lugar que vive na abundância - o problema ali não é a fome, mas o contrário - parece uma introdução meio forçada. A partir da página dezesseis já começa pelo menos a ficar engraçado. O humor, a ironia, sobretudo ao tratar da infância, são os pontos fortes de A. Nothomb. É, então, ao falar da China e fome, que começa o interesse dessa sua narrativa autobiográfica, ‘a campeã da barriga vazia é a China’, diz a autora, e é por isso mesmo, pela necessidade de transformar tudo em comida que os chineses atingiram a excelência, o refinamento na arte culinária e não pararam aí, a fome os levou a descobrir tudo, a pensar em tudo, a tudo ousar “Estudar a China, é estudar a inteligência.” Escreve Nothomb.

Amélie narra neste Biografia da Fome a sua infância no Japão onde ela começou a estudar no Yôchien (Jardim de infância), ali ela era a única criança não-nipônica, certo dia foi desnudada pelas outras crianças que queriam se certificar se ela era ‘toda branca’. Ela conta ainda que seus pais foram educados na fé católica, esta fé eles perderam para sempre ao chegarem ao Japão e serem confrontados a outras religiões, ao perceberem que outros povos viviam de forma ‘sublime’ sem nunca terem ouvido falar no cristianismo. Era como se tivessem lhes pregado uma peça durante a vida toda ao lhes incutirem o dogma de ‘uma só religião boa e verdadeira.’

Em 1972 a família se muda para a China, o primeiro choque para a pequena Amélie que tinha nascido ali no Japão e que julgava que aquele fosse o seu país. A China era para ela o estrangeiro, em tudo o contrário do seu Japão, vivia fechada num gueto reservado aos estrangeiros, proibidos de dirigirem a palavra aos chineses pois isso equivaleria a enviá-los a uma prisão. Em Pékin Amélie vai descobrir outras nacionalidades além dos japoneses, belgas e os raros americanos que via no Japão. É sempre com muita ironia que a autora trata disso e de outras descobertas, prioriza sempre o ponto de vista da criança que era. Volta e meia relembra o Japão de forma nostálgica, quanto mais vive a China, mais sente falta do Japão.

Três anos depois, em 1975, o pai é transferido para Nova Yorque. Amélie tem oito anos, ela e a irmã, Juliette, um pouco mais velha que ela, ficam cada vez mais unidas e tentam tirar o máximo desta experiência, da liberdade que lhes era oferecida ali. Os pais também saem muito, vão ao teatro, cafés. Um dos maiores problemas de Amélie nesta época era equacionar o número de meninas apaixonadas por ela no Lycée Français onde estudava, ela estava apaixonada só por duas e havia dez se arrastando atrás dela, algumas a irritavam, outras ela tratava com uma condescendência de rainha. O seu sucesso se devia ao fato de ser ela a melhor aluna da classe. O outro problema era tentar ser amada ao extremo pela mãe e por Inge, a linda baby sitter belga que ela tentava seduzir com poemas. Foram mais três anos em Nova Iorque e, em 1978 partem para Bangladesh. Pode-se imaginar o choque, sobretudo para as duas irmãs, elas preferem passar o tempo em casa lendo. Um dia o pai leva a família a Jalchatra onde uma belga tinha criado um leprosário e se ocupava dia e noite dos doentes. Dormem ali por alguns dias, no meio do nada, sem luz elétrica, vendo a belga tratar dos doentes e sem compreender aquela abnegação, mas respeitando. O pai, que estava tentando conseguir ajuda do governo belga para o leprosário decidira que a família devia participar com ele da viagem, não costumava poupar as filhas das realidades dos lugares onde viviam.

Quanto mais se aproxima do final, mais interessante se torna a sua história e mais rápida também são as passagens. Anorexia na adolescência, alcoolismo (segundo ela desde a tenra infância), a ida para Bruxelas aos dezessete anos para estudar Letras na Université Libre de Bruxelles e, finalmente, a volta para o Japão depois de se formar. Esta experiência no Japão é relatada no seu livro Stupeur et Tremblements
[2] que foi transformado em filme[3], um bom filme, aliás, saiu em 2003, mas acho que não foi muito além do circuito europeu.

Mais de uma vez a autora faz referência a seus livros anteriores, primeiro refere-se a Métaphysique des tubes
[4] (p.31) e depois Le Sabotage Amoureux[5] (p.61), quando fala da mudança para a China. Conheço os dois, são todos autobiográficos como este e tratam também da infância.

Mais sobre A. Nothomb na Wikipedia.
Em português aqui e aqui.


[1] Biographie de la faim. Amélie Nothomb. Le livre de poche – Albin Michel, 2004
[2] Temor e Tremor. Bizâncio 2000 e ASA 2004. Medo e Submissão, editora Record, 2001.
[3] Filme de Alain Corneau, França, 2003, com Sylvie Testud, Kaori Tsuji, Taro Suwa, Bison Katayama, Yasunari Kondo
[4] A Metafísica dos Tubos, Bizâncio, 2001 e Editora Record, 2003.
[5] Literalmente, A Sabotagem amorosa, não sei se foi traduzido para o português.
Leila S. Terlinchamp - Cadernos da Bélgica

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