quarta-feira, maio 28, 2008

Machados e Fados

Nunca entendi muito bem por que nunca perguntaram ao próprio autor do Dom Casmurro se, afinal de contas, Capitu tinha traído ou não. Isto é, chegar no cara e perguntar: "E aí, meu, ela furunfou ou não furunfou da farinha alheia?" Sei lá, parece-me que isso é um pouco a criação de um mito cultural do qual os sábios literatos se valem para aquecer a discussão. A não ser que (e, nesse caso, perdoem-me a ignorância) a pergunta tenha sido feita sim e o Machado tenha dado somente uma risadinha de escárnio como resposta, sendo então o autêntico criador do mito. Na verdade, pouco importa saber a solução: quer ela tenha traído, quer não, isso em nada modifica (ao contrário, só acentua) as intenções e a mestria do autor em lidar com as palavras e em sondar os mistérios dos complexos humanos e como isso modifica sua visão da realidade. Para sempre, seremos assombrados pelos fantasmas do ponto-de-vista do Bentinho.
Isso sempre me vem a mente quando lembro de uma aula que assisti na Faculdade de Letras na Usp. O professor, em certo momento, saiu do tema da aula em si e começou a falar sobre sua pesquisa particular: ele estava escrevendo um ensaio (ou uma matéria ou uma tese) sobre as letras das músicas do Chico Buarque e havia se deparado com uma espécie de mistério: na música "Fado Tropical", do musical "Calabar", (‘ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal’...) há a declamação de um poema que se mistura com o resto da melodia e tudo. Pois bem, o tal professor há anos estava pesquisando a procedência daquele poema e, mistério dos mistérios!, não conseguia encontrar uma única referência. Na época eu era calouro e, como todo calouro besta e bobo, não tive coragem de levantar a mão e perguntar se aquilo chegara a ser indagado ao próprio Chico. Isto é, por que, afinal de contas, aquilo não teria sido escrito pelo próprio? Mas, e o medo de falar bobagem em público e o professor me fulminar com um olho de desprezo? Arrependo-me de ter ficado calado. Hoje em dia, eu não ficaria quieto. Poderia até levar uma gelada, mas a consciência ficaria tranqüila. Fico imaginando se, no entanto, o professor não teria afinal interpelado o chicão e este respondido com um... sorrisinho de escárnio.
Voltando ao Machado... Em noites de insônias já pensei em escrever um conto mexendo no mito da Capitu. No conto, que nunca escrevi e não faço idéia se algum dia o farei, um professor de português de uma cidadezinha do interior acordaria certa manhã com a resposta na cabeça. E a resposta era tão simples, tão óbvia e clara que sua simples enunciação traria uma nova época na crítica literária brasileira. O mundo da cultura nacional teria um novo marco: A.P.P.C.I. e D.P.P.C.I. (Antes e Depois de um Professor de Português de uma Cidadezinha do Interior). Mas, ele guardaria segredo por algum tempo para escrever um artigo e, assim, se tornar famoso. Ele não conseguiria guardar o segredo muito bem e no final das contas, estaria todo mundo ansioso pela publicação do tal artigo. No dia da divulgação, no entanto, ele é encontrado morto, uma faca no coração e todos os seus papéis queimados. E, desta forma, estaria descoberta a grande conspiração mundial para a manutenção do segredo de Capitu. Nunca ficaria claro se o Machado teria sido criador deste enigmático grupo secreto ou somente mais uma vítima, obrigado a ficar calado para sempre.
Ou, então, não haveria conspiração nenhuma. O tal professor escreveria, sim, o tal artigo, surpreenderia o mundo inteiro com sua perspicácia, inteligência e simplicidade, e todo o sucesso aconteceria. Anos depois, consagrado mundialmente, morre depois de receber um prêmio Nobel concebido especialmente para ele. Lá no Céu, depois de vagar uma eternidade entre as nuvens ele trombaria de frente com o próprio Machado e, entusiasmado, começa a falar sobre o que havia feito na Terra. E o Machado, com a mesma simplicidade e inteligência, e cheio de pena, provaria para ele o quanto estava equivocado e o quanto errara em suas conclusões!
Uma outra versão do finalzinho poderia ser: O Machado escuta com toda a atenção e quando a explicação acaba, dá um tapa na testa e exclama "Mas, como eu não pensei nisso antes?!" Ou, então ainda: O professor tinha acertado mesmo e o Machado confirma, mas o escritor nunca quis que os leitores soubessem da verdade e fica tão zangado com o professor que transforma sua vida no Céu em um verdadeiro inferno.
Lembrei agora por que nunca escrevi o tal conto: Quanta bobagem!
Claudinei Vieira - Desconcertos

Marcadores: ,

quarta-feira, maio 21, 2008

Cícero Dias

Casa grande do engenheiro Noruega

Marcadores: ,

quinta-feira, maio 15, 2008

O escritor e seus fantasmas


O escritor e seus fantasmas
Ernesto Sabato
Companhia das Letras

Ernesto Sabato é o autor de “Sobre Heróis e Tumbas”, uma das três maiores obras da literatura latino-americana de todos os tempos (as outras duas são, obviamente, “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez e “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa), mesmo considerando que seu primeiro romance, “O Túnel”, também reeditado pela Companhia das Letras, já era um clássico. Junto com “O Túnel”, a editora publicou quase ao mesmo tempo o livro de memórias de Sabato, “Antes do Fim”, o amargo e poético testemunho deste velho senhor nascido em 1911, agora quase cego e que tem se dedicado à pintura por conta dos seus problemas de visão, pois uma tela exige menos dos seus olhos. Ainda assim, continua com uma lucidez impressionante e uma mentalidade afiada e instigante. (demorou um pouco para reeditar também seu terceiro romance, “Abadon, O Exterminador”, mas aconteceu)
“O Escritor e seus Fantasmas” são as reflexões de Sabato sobre o ofício de escrever. Publicado pela primeira vez na Argentina em 1963, fez parte de uma intensa discussão sobre a literatura e seus compromissos onde se misturavam, e se confundiam, propósitos políticos e ideológicos, além dos propriamente artísticos. A grande questão talvez fosse saber onde ficavam os limites, se é que existiam, entre arte e realização pessoal em contraponto a uma literatura desejosa de radicais transformações sociais. Hoje em dia, com a derrocada do mais poderoso expoente e sustentador da nefasta política de uma cultura proletária em oposição a uma cultura burguesa e decadente, esta discussão parece ter sido superada pela própria realidade.
Aparentemente, então, boa parte deste livro pode ser considerada como distante, antiga e ultrapassada, uma curiosidade quanto muito. No entanto, mesmo se Sabato se limitasse a um ataque a literatos marxistas, dos quais a História, com H maiúsculo, já tenha se encarregado de jogar na lata do lixo, só por isso já valeria a pena conhecer seu pensamento.
“O Escritor e seus Fantasmas” vai muito além da descrição de uma rixa entre literatos. Em primeiro lugar, porque Sabato não se coloca como um pensador profissional de literatura teórica. Ele não é um crítico ou um filósofo literário, muito menos um pesquisador. Ele é, acima e antes de tudo, um escritor.
É através de sua árdua experiência prática e cotidiana, que ele vai tecendo suas considerações. Afinal de contas, para que um escritor escreve? No prefácio, Sabato é bem claro: “Este livro se constitui de variações em torno de um único tema, o que tem me obcecado desde que comecei a escrever: por que, como e para que se escrevem ficções?”
Não há capítulos ou progressão geral para um pensamento único. São considerações que podem tomar várias páginas como quando discute o pretenso desaparecimento do romance como gênero literário ou quando combate o “subjetivismo” e o “cientificismo” na literatura. Ou, então, apenas um parágrafo, uma idéia, uma citação de algum outro autor.
Deste livro, algo que se impõe à primeira vista é o profundo comprometimento do artista com sua arte. Sabe-se como Sabato pode ser sério em suas convicções: sua primeira formação foi como físico. Deixou a Física, mesmo tendo fortes possibilidades de ganhar o Prêmio Nobel por suas pesquisas, porque ela não lhe completava como ser humano e nem respondia a suas angustiadas questões morais e pessoais. A literatura, sim, a arte em geral podem proporcionar respostas.
Esse engajamento na arte deve ser absoluto. Em um trecho intitulado “A condição mais preciosa do criador”, ele diz que essa condição é “O fanatismo. É preciso ter uma obsessão fanática, nada deve antepor-se a sua criação, deve sacrificar qualquer coisa a ela. Sem esse fanatismo nada de importante pode ser feito”. Mais para frente, diz: “O homem de hoje vive em alta tensão, diante do perigo da aniquilação e da morte, da tortura e da solidão. É um homem de situações extremas, chegou aos limites últimos de sua existência ou está diante deles. A literatura que o descreve e o interroga só pode ser, portanto, uma literatura de situações excepcionais”.
Para Sabato, a arte não pode ser prostituída: “Se recebemos dinheiro por nossa obra, tudo bem. Mas escrever para ganhar dinheiro é uma abominação. Essa abominação se paga com o abominável produto que assim se engendra”. Então, como viver? “De qualquer modo, desde que a criação não seja manuseada, abastardada, barateada: montando uma oficina mecânica, trabalhando de empregado em um banco, vendendo quinquilharias na rua, assaltando um banco”.
Partindo de Sabato, estas afirmações adquirem uma conotação que saem do meramente retórico. Afinal, ele é uma pessoa que teve a coragem moral de assumir suas convicções e de pagar por elas.
Fanatismo artístico, no entanto, não significa cegueira cultural. Ao lado de todo esse seu radicalismo artístico, há uma enorme dose de sobriedade e lucidez. Ao discutir a visão marxista de arte, por exemplo, Sabato critica, ataca e denuncia a falsidade dos quadros dogmáticos e esquemáticos dos marxistas de carreira tanto quanto a ignorância e preconceito dos que acreditam que o marxismo, e o próprio Karl Marx, se reduzem a um economicismo simplório.
Sua ironia fina, elegante e penetrante e a escrita direta e simples, marcas absolutas de toda sua literatura, estão presentes aqui em alto grau. Em um trecho intitulado “Sobre os perigos do estruturalismo”, ele comenta: “Quase tudo é estrutura. Como afirmou solenemente um professor: com a única exceção do que é amorfo, tudo apresenta uma estrutura. O que é mais ou menos como dizer que, com a única exceção dos animais invertebrados, todos são vertebrados”, isto é, uma “pomposa imbecilidade”.
A tentação de encher este texto com citações é quase incontrolável; quase a cada página, é possível encontrar uma pérola. O que não significa que não haja também momentos baixos ou afirmações óbvias e simplistas. Mas, elas não atrapalham nem o desmerecem. Afinal, “O Escritor e seus Fantasmas” são as palavras de quem sabe o que está fazendo e fez durante a vida inteira.

Claudinei Vieira - Desconcertos

Marcadores: , ,

quinta-feira, maio 08, 2008

Cícero Dias

Ambientada no universo sertanejo da seca e da catinga, "Morte" ilustra a realidade do homem posto à margem da sociedade moderna e urbana que se consolida na época. Datada do mesmo ano em que ocorre a primeira exposição de Cícero Dias no Rio de Janeiro, então capital da república, em 1928, a obra sintetiza a preocupação modernista em trazer à tona o Brasil posto à margem, se utilizando da inspiração formal herdada das vanguardas européias. Em resposta a representação de um país que caminha para o progresso, especialmente Rio e São Paulo, Cícero retrata a morte como elemento do cotidiano do caboclo, no interior do país, oposto ao Brasil desenvolvido do litoral. O regionalismo do pintor pernambucano está não só na escolha do tema, como também no uso dos tons e figuras que formam o em torno. O verde do mandacaru, o vermelho do sangue e o negro-mulato da pele são extraídos da própria paisagem. A mulher exposta de forma sensual e as flores que voam do carrinho do menino ao fundo são alguns dos elementos que quebram com a pesada carga emocional do tema da morte. Por outro lado, proporcionam à obra uma leveza poética e inocente, como aquela presente em um sonho. A escolha de traços infantis e pouco elaborados também colaboram para um resultado comovente e quase esperançoso diante do avanço dos pássaros negros
A mulher, sempre presente em Cícero Dias, adquire nesta obra um aspecto especialmente lírico e sedutor. A figura do violão, instrumento de formas sinuosas, reforça a presença feminina. O clima erótico faz com que o soldado flutue entre os elementos provincianos que integram a paisagem. A presença característica das cores tropicais, de intensa luminosidade, concede ao quadro uma sensualidade implícita, tipicamente brasileira. O resultado é a criação de um ambiente de sonho, quase de adolescente, onde as notas musicais parecem envolver a todos que compõem a cena. O uso de traços primitivistas, quase infantis, acrescenta o clima de ingenuidade expressado nesta obra. Todos estes elementos fazem com que o artista seja comparado com os surrealistas, e chamado "o Chagall dos trópicos". Principalmente quando aborda os temas da juventude com erotismo, beleza e simplicidade, Dias exprime seu surrealismo autóctone.
C.A.A. - MAC USP

***

Cicero dos Santos Dias (Escada PE 1907 - Paris França 2003). Pintor, gravador, desenhista, ilustrador, cenógrafo e professor. Inicia estudos de desenho em sua terra natal. Em 1920, muda-se para o Rio de Janeiro, onde matricula-se, em 1925, nos cursos de arquitetura e pintura da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, mas não os conclui. Entra em contato com o grupo modernista e, em 1929, colabora com a Revista de Antropofagia. Em 1931, no Salão Revolucionário, na Enba, expõe o polêmico painel, tanto por sua dimensão quanto pela temática, Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife. A partir de 1932, no Recife, leciona desenho em seu ateliê. Ilustra, em 1933, Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (1900 - 1987). Em 1937, é preso no Recife quando da decretação do Estado Novo. A seguir, incentivado por Di Cavalcanti (1897 - 1976), viaja para Paris onde conhece Georges Braque (1882 - 1963), Henri Matisse (1869 - 1954), Fernand Léger (1881 - 1955) e Pablo Picasso (1881 - 1973), de quem se torna amigo. Em 1942, é preso pelos nazistas e enviado a Baden-Baden, na Alemanha. Entre 1943 e 1945, vive em Lisboa como Adido Cultural da Embaixada do Brasil. Retorna a Paris onde integra o grupo abstrato Espace. Em 1948, realiza o mural do edifício da Secretaria das Finanças do Estado de Pernambuco, considerado o primeiro trabalho abstrato do gênero na América Latina. Em 1965, é homenageado com sala especial na Bienal Internacional de São Paulo. Inaugura, em 1991, painel de 20 metros na Estação Brigadeiro do Metrô de São Paulo. No Rio de Janeiro, é inaugurada a Sala Cicero Dias no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA. Recebe do governo francês a Ordem Nacional do Mérito da França, em 1998, aos 91 anos.

Marcadores: ,

domingo, maio 04, 2008

"Bush é horrível demais para ser esquecido", diz Philip Roth


O escritor americano Philip Roth falou à Spiegel sobre envelhecimento, sobre por que George W. Bush é o pior presidente americano da história, e revelou por que nunca dá o seu número de celular a ninguém.
Philip Roth, que vai completar 75 anos em março, é um dos autores norte-americanos vivos mais aclamados pela crítica. Seu livro "O Complexo de Portnoy", de 1969, levou-o à fama, e ele deu continuidade ao sucesso, ganhando o prêmio Pulitzer com o livro "Pastoral Americana", de 1997.
Muitos de seus livros têm o alter-ego ficcional de Roth, Nathan Zuckerman, como personagem principal. Zuckerman aparece novamente no último trabalho de Roth, "Exit Ghost", em que o personagem volta a Nova York depois de muitos anos de exílio no interior da Nova Inglaterra.
A Spiegel conversou com Roth sobre "Exit Ghost", as eleições americanas e os prazeres da vida no campo.

Spiegel - Senhor Roth, quantas vezes você tentou matar Nathan Zuckerman, o herói e narrador de muitos de seus livros?
Philip Roth - (risos) Eu não sei - você sabe?
Spiegel - Três vezes. Uma em "Deception"...
Roth - Ah, é verdade, eu tinha me esquecido dessa.
Spiegel - E depois novamente em "The Counterlife", quando ele tinha 44 anos. Agora, em seu novo livro "Exit Ghost", ele aparece bem vivo, aos 71 anos de idade, mas você o mata novamente.
Roth - Não o matei. Só mandei ele para casa.
Spiegel - "Foi embora para sempre", foi o que o senhor escreveu. Faz alguma diferença?
Roth - Com certeza.
Spiegel - Nathan Zuckerman é um escritor que costumava viver sozinho no interior - um pouco parecido com o escritor Philip Roth - mas depois volta para Nova York. Ele está tentando escapar da idade avançada, tentando se tornar forte novamente?
Roth - Ah, talvez ele tente, mas acho que este último livro é de fato sobre a vida que o está deixando. Ele não tem mais o espírito de luta dentro de si. Por alguns momentos, há uma explosão de luta e virilidade, mas ele acaba fugindo.
Spiegel - Será que esse vai ser o fim de Zuckerman?
Roth - Sim.
Spiegel - Por que o senhor quis eliminar o seu personagem mais famoso?
Roth - Nem eu mesmo percebi que tinha o desejo de chegar a um final. Se me lembro bem, isso simplesmente aconteceu. Quando comecei o livro, não sei se pensei que seria o último.
Spiegel - Você não tinha um plano quando começou o livro?
Roth - Acho que não. A história simplesmente levou àquele final. E, da forma que ela se desenrolou, acabou trazendo um acabamento e uma conclusão. Mas, no começo... tudo o que havia era a idéia da sua volta. Você conhece a história de Rip Van Winkle? Rip Van Winkle ficou adormecido por 20 anos, e então acordou. Isso foi o que aconteceu com Zuckerman ao voltar para a cidade. Eu tive de descobrir o que ele iria descobrir - o que ele iria ver, como as pessoas seriam, principalmente os jovens. Foi uma história de descobertas, como é a maioria dos meus livros.
Spiegel - E o que ele descobriu foram telefones celulares.
Roth - Ele ainda vive na era da máquina de escrever. E então ele vê as pessoas falando sozinhas na rua.
Spiegel - O pano de fundo do livro são as eleições de 2004. Por que isso foi importante para você?
Roth - A decepção foi muito grande, principalmente entre os jovens. Pareceu para mim um momento histórico forte. Imaginei que fosse trazer um colorido forte, um bom pano de fundo.
Spiegel - Em outras palavras, você escolheu o pano de fundo por motivos puramente técnicos?
Roth - Sempre tento fazer com que haja algo acontecendo no livro além da história principal. E senti que isso me daria uma boa oportunidade para fazer com que todos se comportassem e agissem de forma a mostrar suas emoções por causa da eleição. Permitiu que eu trouxesse o jovem casal à vida e também salientou a diferença entre eles e Zuckerman.
Spiegel - Ele é cínico e o casal é furioso.
Roth - É isso, apesar de que eu não diria que ele é cínico, mas sim que está acabado. Aquilo tudo acabou para ele.
Spiegel - Você ainda se importa com política? Está acompanhando as eleições de 2008?
Roth - Infelizmente sim. Eu parei de acompanhar até uns dois anos atrás - até lá, a política não era real. Então assisti os primeiros debates de New Hampshire, e os republicanos foram tão inacreditavelmente impossíveis. Assisti o debate dos democratas e me interessei por Obama. Acho que vou votar nele.
Spiegel - O que fez com que você se interessasse por Obama?
Roth - Primeiro o fato de ele ser negro. Sinto que a questão da raça nesse país é mais importante do que a questão feminista. Acho que a importância para os negros será enorme. Ele é um homem atraente, inteligente, e bastante articulado. Sua posição no Partido Democrata é mais ou menos OK para mim. E acho que vai ser importante para os negros americanos que ele seja presidente.
Spiegel - Poderia mudar a sociedade, não é verdade?
Roth - Sim, poderia. Isso iria dizer algo sobre esse país, e seria algo maravilhoso. Não sei se vai acontecer. Eu raramente voto em alguém que vença. Pode ser o beijo da morte se você escrever na sua revista que eu vou votar em Obama. Ele estará acabado!
Spiegel - A discussão sobre Obama nos fez lembrar de seu personagem Coleman Silk, o herói de "A Marca Humana", que é um negro com a pele muito clara, e que inventa uma biografia judia. O ponto a que queremos chegar é a questão da identificação, sobre o comportamento certo e o errado. Será que Obama é negro o suficiente?
Roth - Sei que essa discussão pode ir adiante, mas acho que ela vai desaparecer se ele for nomeado. A realidade dessa corrida vai deixar isso de lado. De qualquer forma, qualquer um que seja metade branco, metade negro, é considerado negro. Basta uma gota de sangue.
Spiegel - Que os brancos o considerem negro, tudo bem. Mas a questão é se os negros o consideram negro.
Roth - Eles irão considerá-lo à medida que as eleições seguirem em frente. Se ele conseguir a nomeação.
Spiegel - Você de fato acredita que Obama poderia mudar Washington ou mudar a política?
Roth - Tenho interesse simplesmente em ver como seria a presença dele no governo. Você sabe quem ele é, de onde vem, essa é a mudança. Também é assim com Hillary Clinton, mas a grande diferença está em quem é ela. E a respeito de toda a retórica sobre mudança, mudança, mudança - é pura semântica, não significa nada. Eles irão responder às situações conforme elas aparecerem.
Spiegel - Você se interessa pelos Clinton como um casal? Eles são figuras literárias?
Roth - Ah, esse é o lado telenovela. Eles são tremendamente agressivos, acho que eles são capazes de falar ou fazer qualquer coisa, mas não, eles não me interessam como um casal. Bill Clinton era interessante como presidente - eu não sei o que ele é agora. Acho que eles podem estar exagerando ao tentar o jogo novamente, sendo agressivos, e as pessoas vão se irritar com isso.
Spiegel - O que vai ficar do presidente atual, George W. Bush? Será que ele vai ser esquecido depois de sair do governo?
Roth - Não, ele foi horrível demais para ser esquecido. Haverá muita coisa escrita sobre isso. E há muito a ser escrito sobre a guerra. Há muito para ser escrito sobre o que ele fez com o reaganismo, uma vez que ele foi muito mais longe que Reagan. Então ele não será esquecido. Já disseram que ele foi o pior presidente que os Estados Unidos já tiveram. Na minha opinião, isso é verdade.
Spiegel - Por quê?
Roth - Bem, principalmente por causa da guerra, da decepção com a entrada na guerra. O cinismo absoluto que envolveu a decepção. O custo da guerra, o Tesouro e as vidas dos americanos. Foi hediondo. Não há nada parecido com isso. Em segundo lugar, por causa de sua atitude em relação ao aquecimento global, que é uma crise mundial; e eles foram extremamente indiferentes, até mesmo hostis, em relação a qualquer tentativa de enfrentar o problema. E mais isso, mais aquilo, mais isso, mais aquilo... Ou seja, ele fez um grande estrago.
Spiegel -
Já que o seu livro se passa na semana das eleições de 2004, você saberia explicar por que os americanos votaram em Bush pela segunda vez?
Roth - Acho que foi pelo fato de estar em guerra e não querer mudar, além de estupidez política. Por que alguém elege uma determinada pessoa? Pensei bastante sobre John Kerry quando ele começou a campanha, mas ele não conseguia competir com Bush. Os democratas não são brutos, o que é muito ruim, porque os republicanos são brutos. E os brutos vencem.

Klaus Brinkbäumer e Volker Hage
Tradução: Eloise De Vylder

Der Spiegel

Marcadores: , ,

Free Web Hit Counters
Free Counters