quinta-feira, junho 29, 2006

Memórias póstumas de Brás Cubas

Machado de Assis
S.A.Editora


Por conta de um trabalho, dei uma passeada pelo livro.
É imbatível na lista das dez melhores coisas que já li. Aliás, para faciltar a construção da lista, conto Memórias Póstumas, Quincas Borba e Dom Casmurro como um só livro...
Das notas para o trabalho resultou o texto que segue.

Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro surpreendente. Do título à última frase. A maneira como o livro é construído, em pequenos capítulos que mais parecem crônicas que podem quase ser lidas ao acaso; o tom crítico e irônico; a própria idéia de fazê-lo narrado por um morto; Tudo isso faz dele um livro moderno em pleno século 19!
Um exemplo dessa "modernidade" é o diálogo sem palavras, puramente gráfico, que Machado de Assis constrói só com pontos, interrogações, exclamações e reticências para representar a conversa de dois apaixonados no capítulo LV, O Velho Diálogo de Adão e Eva.
Ao eliminar as palavras e mostrar a extensão das frases (os pontos) e o tom em que são ditas (as exclamações e interrogações), ao mesmo tempo que ressalta a importância da oralidade na construção dos sentidos, Machado cria um diálogo que parece feito de olhares e gestos mais do que de vozes.

Capítulo LV - O Velho Diálogo de Adão e Eva

Brás Cubas . . . . . ?
Virgília . . . . . .
Brás Cubas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Virgília . . . . . . !
Brás Cubas . . . . . . .
Virgília . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Brás Cubas . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Virgília . . . . . . .
Brás Cubas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ! . . . . . . . . !
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . !
Virgília . . . . . . . . . . . . . . . . . ?
Brás Cubas . . . . . . . !
Virgília . . . . . . . !

Em outro momento, Machado deixa um capítulo em branco, para expressar o sentimento "inexprimível" que foi perder a indicação de ministro que tanto esperava. Duas formas hábeis de usar a "ausência de palavras" para expressar com mais precisão o que se quer dizer.
Machado é sempre engraçado, encantador, genial em sua simplicidade. Não é à toa o título de "O Mago do Cosme Velho".
Essa habilidade fica evidente na quantidade de "grandes frases" que há no livro: dá pra se dizer que há ao menos uma "grande frase" por capítulo. Só para citar algumas, de cabeça: "Ao vencedor, as batatas". "O menino é o pai do homem". "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria".
A narrativa se alterna de forma incessante e inesperada, ora descritiva, ora crítica, ora quase indulgente, ora ácida e mordaz, avançando e recuando na biografia de Brás segundo
as digressões e citações que aparentemente lhe ocorrem ao acaso, numa construção típica das conversas íntimas onde "um assunto puxa outro...". Esse clima de intimidade é certamente um dos segredos do sucesso de Machado.
E ele nos envolve de tal modo em sua fabulação que quase nem reparamos em outro aspecto surpreendente do livro: nada de grandioso de fato acontece na vida de Brás que merecesse um romance.
Nesse sentido, mais do que realista, Memórias Póstumas chega a ser anti-romântico.
A melancolia de Brás/ Machado, temperada pelo humor, resulta em ironia que se espalha por todo o livro - implacável e, ao mesmo tempo, indulgente com o ridículo humano em seus sonhos de poder e grandeza. Sem mais compromissos com a carcaça que deixou para trás, Brás fala de si e nos aponta: suas ilusões, fantasias, egoísmos, fraquezas são universalmente verdadeiras, reais, humanas. O contraste "realista" entre a sonsa grandiloqüência das intenções e a má vontade e flacidez dos gestos ressalta o egoísmo e a fraqueza do humano "desidealizado" de Machado. De certo modo, a pobreza dos resultados se não nos redime, ao menos, nos torna veniais.
Ainda que não case nem gere filhos, Brás não é um marginal, um outsider - ao menos quando vivo. Todo seu esforço é sempre de se ajustar para melhor satisfazer seus desejos. Não há maldade nele, mas um egoísmo "selvagem" - no sentido de infantil - em sua inocência perversa:
"Virgília era o travesseiro do meu espírito, um travesseiro mole, tépido, aromático, enfronhado em cambraia e bruxelas. (...) Cinco minutos bastaram para olvidar inteiramente Quincas Borba; (...) cinco minutos e um beijo. E lá se foi a lembrança do Quincas Borba. (...) que me importa que existas, que molestes os olhos dos outros, se eu tenho dous palmos de um travesseiro divino, para fechar os olhos e dormir?".
Em Machado, ninguém é de todo mau e ninguém é decididamente bom. Todos parecem viver ao sabor de suas paixões, inteiramente alheios a tudo que foge ao âmbito delas. Tudo corre sob uma aura de ilusão, seja auto-engano ou fingimento.
Realismo..? E os manuais acrescentam, para que não haja dúvida: realismo psicológico - querendo dizer explicitamente que é assim a alma humana.Aliás, ser o narrador uma alma - ou um desencarnado - ainda ressalta o "exame de consciência" que é o livro.
Mas certamente não é um realismo no sentido naturalista ou mesmo materialista, mas no sentido da "real motivação" das ações humanas. O homem não é mais romanticamente visto como um ser movido por ou contra princípios, nem por sentimentos radicais e grandiloquentes. É a paixão, o desejo, a vaidade que regem o comportamento humano, sim - mas em Machado ninguém mata ou morre por isso. De fato, morre-se de muita má vontade em Machado - a começar por Brás Cubas - que, apesar do pessimismo, não hesita em nos legar suas memórias.
Memórias Póstumas de Brás Cubas foi publicado em 1881, quando Machado estava com 42 anos e era já um escritor consagrado. Obra da maturidade, mas que não deixou de surpreender a todos os seus contemporâneos, pela ruptura que representa na linha de produção do autor: nada antes permitia prever um "desvio criativo" de tal ordem na obra de Machado. Claro, todas as características dele - a ironia, a inventividade, o pessimismo, a habilidade com as palavras - estão lá, mas concentradas e bem articuladas entre si - e quando se diz "obra da maturidade", não se pensa tanto na idade do autor à época, mas exatamente nessa confluência de forças internas..

O último parágrafo do livro resume a visão que Machado/ Brás tem de si e da vida em geral:
"Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que sai quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."

Antonio Caetano – Café Impresso

quarta-feira, junho 28, 2006

Chair back - Nat. Morta - Cézanne

domingo, junho 25, 2006

Lima Barreto o rebelde imprescindível

Luiz Carlos Leitão
Ed. Expressão Popular, SP, 2006



Aluizio Alves Filho*

País onde pouco se lê, são raras, no Brasil, as experiências criativas relacionadas à expansão do mercado do livro. A primeira digna de menção foi iniciativa de Monteiro Lobato que após fundar, em 1918, a primeira editora de porte do país (a Monteiro Lobato & Cia) constatou que os pontos de venda de livros no Brasil contavam-se nos dedos e expandiu-os escrevendo para armazéns, quitandas e farmácias espalhadas por cidades interioranas propondo que vendessem livros em consignação. O resultado foi um sucesso. Muitas décadas depois surgiram outras idéias originais que merecem menção especial. Nos anos setenta a Abril Cultural voltou a expandiu os pontos de venda colocando livros em bancas de jornal. Na mesma década, o Círculo do Livro vendeu milhares de exemplares ofertando-os de porta em porta. Foram dois novos sucessos.
Outras estratégias que tiveram bons resultados derivam da publicação de coleções compostas pelos chamados livros-de-bolso. São experiências pioneiras e vitoriosas na venda deste tipo de livro, a coleção Cadernos do Povo Brasileiro, da Editora Civilização Brasileira, no início dos anos 60, a coleção Textos Paralelos, da editora Achiamé, na década de setenta, e a coleção Primeiros Passos, da Brasiliense a partir dos anos 80. Nos dias presentes, a editora Expressão e Cultura volta a valer-se da estratégia do livro-de-bolso. Mas o faz com criatividade renovada, como são indicativos os objetivos da coleção que acaba de lançar, intitulada: Viva o Povo Brasileiro. Os propósitos implicam em vender livros a preços muito accessíveis voltados para a divulgação da vida e da obra de personalidades, cujos nomes estão ligados às lutas do povo brasileiro por autonomia e dias melhores.
A primeira fornada da coleção da Expressão e Cultura que acaba de chegar às livrarias é composta por 3 livros, a saber: o de Anita Leocádia Prestes, Luiz Carlos Prestes - Patriota, Revolucionário, Comunista; o de Luiz Carlos Leitão, Lima Barreto – O Rebelde Imprescindível; e, o de Lincoln de Abreu Penna, Roberto Morena – O Militante. Os livrinhos medem 15 /10 cm, tem em torno de 100 páginas, bom visual, e além do ensaio contém bibliografia comentada, tendo sido escritos com evidente emoção por autores que entendem do riscado.
Na impossibilidade de falar sobre os 3 nos limites de uma resenha, optamos por fazer um breve comentário a respeito do livro sobre Afonso Henrique de Lima Barreto (1881 - 1922), escrito por Luiz Ricardo Leitão, professor do Departamento de Letras da UFRJ. O pesquisador vale-se do método que implica em colocar o autor estudado em seu próprio contexto histórico e pensá-lo à luz de suas circunstâncias existências. É desta forma que Ricardo Leitão examina a relevância da literatura de Lima Barreto – negro nascido numa sociedade marcada por forte grau de racismo, vivendo num subúrbio do Rio de Janeiro, funcionário público subalterno e com sérios problemas de alcoolismo. Também chama a atenção para as formas peculiares com que Lima Barreto se engaja nas lutas do seu tempo. Relevantes considerações de natureza comparativa são ainda estabelecidas, entre o autor de “Os Bruzundangas” e outros gigantes literários seus contemporâneos, como Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho e o grande Monteiro Lobato.
Os 3 pequenos grandes livros da recém lançada coleção da Expressão Popular tem tudo para cair no agrado do público e vender como pipoca, pois além da qualidade o preço cobrado cabe no bolso do leitor.

* Professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.

sexta-feira, junho 23, 2006

Querelle

Jean Genet
Editora Nova Fronteira


Tradução de Jean Marie L. Remy Demetrio Bezerra de Oliveira


Assisti ao filme antes de ler o livro. O filme de Rainer Werner Fassbinder me impressionou, sobretudo, pela estética — de uma beleza espantosa! — e da interpretação dos atores. A trama me soou densa o suficiente para despertar interesse. Tanto que resolvi procurar o livro. Sempre acreditei na primazia dos livros em relação aos filmes que acabam por originar. Linguagens diferentes que muito dificilmente se coadunam de forma satisfatória. Assim, achei que as cenas do filme poderiam interferir negativamente na leitura, deturpando as imagens que caberiam a mim mesmo criar segundo o texto e minha imaginação. Mas não: ter visto o filme só contribuiu para que eu apreciasse ainda mais a intensidade da escrita de Genet. Talvez porque Fassbinder tenha conseguido captar (pelo menos no meu entender) com uma fidelidade surpreendente toda a estranha e complexa atmosfera ao mesmo tempo opressiva, sedutora e fatalista que as páginas do livro evocam. A poucos escritores coube tão bem o termo maldito. Jean Genet (1910-1986) recriou em peças e romances a mesma marginalidade radical que caracterizou sua vida. Foi na prisão que ele começou a escrever. Seus livros estão centrados em sua convivência com marginais e condenados que conheceu dentro e fora das prisões em que esteve. Seus textos abordam o homossexualismo, degradação e opressão social. Mas o que impressiona em suas obras não é a realidade pessoal ou social aí descrita. A importância e o valor de Genet estão na sua capacidade de recodificar sua existência transformando-a numa experiência literária plena.
Querelle foi publicado pela primeira vez em 1947, vindo consolidar o reconhecimento, por parte da intelectualidade francesa, do brilho artístico do ladrão e presidiário, "poeta da marginalidade, do crime e da homossexualidade". Livro considerado por Sartre como o "mais extremista de toda a literatura mundial", QUERELLE é o exemplo do gênio que transforma uma vida degenerada no fulgor de uma literatura extasiante. A ponto de Genet afirmar sobre si: "Minha vida deve dar nascimento a uma emoção nova, que eu chamo poesia. Eu não passo de um pretexto".
Entre o bordel e o cais do porto de Brest, o marinheiro Georges Querelle entrega-se a um "alegre suicídio moral": ópio, assassinato, os corpos de outros marinheiros, para os quais ele é um cobiçado objeto ritualístico de prazer. Tudo compõe um intenso jogo de sedução e morte no qual Querelle se envolve, já sem saber se ativa ou passivamente. Ondas de emoções vagas que vêm quebrar-se numa paisagem imprecisa que marca o limite da sociedade das pessoas decentes e direitas.
Abandonado pela mãe, Genet foi criado num orfanato e, posteriormente, por camponeses. Quando adolescente foi mandado para vários reformatórios de jovens delinqüentes. Desertou da Legião Francesa aos 21 anos e perambulou pela Europa durante a década de 30, vivendo do roubo e da prostituição.
De volta a Paris, num espaço de sete anos, foi acusado por deserção, vagabundagem, falsificação de documentos e roubos.
Estava encarcerado quando, no outono de 1942, foi publicado seu primeiro poema: Le Condamné à Mort (O Condenado à Morte). Foi igualmente na prisão que ele redigiu Nossa Senhora das Flores e O Milagre da Rosa. Estava a ponto de ser condenado à prisão perpétua quando Jean Cocteau interveio em seu favor no tribunal. Genet foi solto em 1944. De 1945 a 1948 ele escreve obstinadamente três romances: Pompas Fúnebres, Querelle e Diário de um Ladrão; uma coletânea de poemas; um balé e três peças de teatro: Haute Surveillance, Les Bonnes (As Criadas) e Spendid's .
A petição de escritores lançada por Cocteau e Sartre, Genet obtém o perdão definitivo em 1949.
Entre 1955 e 1961 escreve e publica Le Balcon, Les Nègres e Les Paravents, que o elevam ao primeiro lugar entre os dramaturgos contemporâneos.
Vitima de um câncer na garganta desde 1979, Genet morre em abril de 1986.
Wagner Campelo – Por um triz

quarta-feira, junho 21, 2006

Watermelon - Nat Morta - Cézanne

domingo, junho 18, 2006

Sentidos do Humor, trapaças da razão, a charge

Luiz Guilherme Sodré Teixeira

Fundação Casa de Rui Barbosa


Luiz Guilherme Sodré Teixeira não é um neófito no campo da pesquisa das charges políticas. Sua estréia na temática veio a partir da coleção "papéis avulsos", com o título "O traço como texto: a história da charge no Rio de Janeiro de 1860 a 1930" (FRCB, 2001).
Contudo o livro "Sentidos do Humor, trapaças da razão, a charge", registra um autor mais maduro. Ciente das dificuldades expressas no estudo de seu objeto, Teixeira obtém variados êxitos, desde a ousadia da escolha do tema do estudo – a charge e seus sentidos; passando pela precisão com que define e separa as diversas formas de desenho de humor: charge, caricatura e cartum.
Nesse sentido, a discussão proposta acerca da imagem consegue verbalizar algumas das agruras dos pesquisadores que optam por trabalhar com material iconográfico. A discussão em torno da aceitação da imagem na academia é um dos pontos mais férteis expostos por Luiz Guilherme. O autor consegue apontar a ausência de um lugar próprio para a iconografia no interior da academia.
As ciências humanas – com exceção da Antropologia e Comunicação – não reconhecem a imagem como veículo portador de informação e com a capacidade de se auto-expressar. A imagem seria utilizada corriqueiramente como uma ilustração secundária, um mero suporte para textos. Segundo o autor, o não aproveitamento da charge se deve a um culto do texto como única fonte capaz de produzir verdades, reproduzindo o velho ranço academicista, de tradição cartesiana. Teixeira chega a postular a criação de uma "ciência social da imagem", no entanto – de maneira sóbria – reconhece as dificuldades de tal ordem e propõe algo mais produtivo, uma Filosofia da Imagem.
A imagem goza de dupla identidade, caracterizando-se tanto como documento social e como objeto cultural. Talvez a preocupação dos sábios de gabinete seja justamente a imprevisibilidade da imagem, não conclusiva, posto que permite diversas interpretações com seu caráter lúdico.
O livro "Sentidos do Humor, trapaças da razão", a charge está inscrito em um gênero que tem em seus primórdios o artigo "A caricatura no Brasil", de Monteiro Lobato. No entanto, o ápice de tal campo está nos volumes de "A história da caricatura no Brasil", de Herman Lima. Desde o lançamento do clássico de Lima, em 1963, poucos foram os esforços para o desenvolvimento dos estudos que priorizam o desenho de humor como objeto. Apenas algumas exceções honrosas merecem destaque, como o trabalho de Marco Antonio da Silva, "Prazer e poder do Amigo da Onça" e pesquisas de Isabel Lustosa, também do setor de História da FRCB. Ou seja, o tratamento de conteúdo teórico dado ao desenho de humor pode ser considerado uma raridade.
Dentre os gêneros de humor, a charge seria o mais complexo por seus mecanismos próprios. No capítulo que diz respeito à charge, Teixeira define a mesma como "um traço de reflexão através do humor, que reproduz sujeitos reais e resume conflitos políticos" (p.73). Um dos fatores que distinguem a charge é a sua agressividade na forma, posicionando-se sempre como uma figura de oposição. A charge vai além, o seu desafio é produzir uma "identidade por diferença", pois ela reproduz sujeitos reais através de personagens fictícios.
A riqueza da charge demonstra-se na sua capacidade em registrar o cotidiano político da sociedade. Adicionado a isto, a charge funciona como um "porta-voz da sociedade", permitindo a construção de um ponto de vista, ou seja, a transformação do fato em uma posição acerca do mesmo, denotando a perspectiva ativa de tal prática.
Para Teixeira, não ter sentido seria o sentido da charge. Neste ponto o autor – ao alçar o seu vôo-livre – patina ao desviar sua analise de caráter mais objetivo, pois confere à charge o status de desordem no plano da ordem. O autor peca na ausência de uma postura mais crítica e factual, pois observa o deslumbramento com a intitulada pós-modernidade – tão individualizante – e um não reconhecimento do papel social/coletivo da charge, sendo a mesma, muitas vezes, alvo da censura dos donos dos meios de comunicação. O autor ganha créditos ao detectar a agressividade na forma da charge, mas exagera ao enfatizar um "delírio" em seu mecanismo.
Críticas à parte, o próximo trabalho de Luiz Guilherme Sodré Teixeira é esperado com ansiedade, pois não só os pesquisadores como os próprios chargistas agradecem tais manifestações de apreço à arte da charge.

Márcio José Melo Malta - (Nico) – Mundo em rabisco

sexta-feira, junho 16, 2006

Kitchen table - Nat. morta - Cézanne

quarta-feira, junho 14, 2006

As Palavras - Sartre


Les mots
(1964)
Jean-Paul Sartre
Editions Gallimard

A primeira leitura que fiz de Les Mots foi em 1990, no curso de Letras, releio-o agora, tantos anos depois e percebo que ainda me lembro de muita coisa, muitas passagens. Entretanto, ao abrir o livro, nada me vinha à cabeça, pensei que tudo tivesse se apagado. Bobagem duvidar tanto da memória, ainda que eu estivesse senil seria impossível esquecer, por exemplo, de uma das últimas frases do livro “Rien dans les mains, rien dans les poches” que Caetano Veloso usou na sua música Sem lenço, sem documento, no trecho “Nada no bolso ou nas mãos, eu quero é seguir vivendo….”.

Este livro, única narrativa autobiográfica de Jean-Paul Sartre, é dividido em duas partes: Ler e Escrever, os dois acontecimentos mais importantes da sua vida. A etapa mais relevante desta biografia é a infância do escritor. Pois é, parece que ele já nasceu escritor, em criança já agia como um escritor, se imaginava adulto e escritor, brincava de escritor …e revela tudo isso com humor, desmistificando muito da infância e também da profissão, com forte espírito crítico.

Sartre fala muito da mãe que é mostrada como uma quase irmã, o pai ele perdeu cedo, tinha menos de um ano, e foi viver com a mãe na casa de seus avós maternos, Charles e Louise Schweitzer. O Avô e sua biblioteca exerceram grande influência na vida do escritor.

A criança não sofreu com a morte do pai, muito ao contrário, foi a sua morte que o tornou livre, ‘não há bom pai e não é culpa dos pais’ mas das ‘relações paternas que são podres.’ Teve, assim, uma infância feliz vivida, basicamente, no meio dos adultos. Tudo isso deve ser, sem dúvida é, importante na formação do escritor e do homem, mas o mais interessante do livro é mesmo o leitor e o escritor em formação, a descrição da suarelação com os livros antes mesmo de saber ler, a relação com a própria biblioteca que é comparada a um templo sendo o livro a sua religião.

Uma parte do livro de certa forma engraçada, é quando os primórdios do cinema são mostrados e o autor diz: ‘era o divertimento das mulheres e das crianças.’ Não era exatamente divertimento de ‘gente séria’. Sartre e a mãe adoravam.

Visto que não havia dúvida de que Sartre seria mesmo escritor o avô o aconselha a ser, ao menos, realista, encarar as coisas de frente, sabia ele que escritores famosos tinham morrido de fome e que outros tinham se vendido? Se Sartre quisesse conservar sua independência convinha escolher uma segunda profissão, ser professor, por exemplo. A literatura não alimentava.

Outro ponto que destaco é quando, quase no final, o autor afirma que não tem especial talento para a escrita, que seus livros sentem ao ‘suor e esforço.’

Sartre nasceu em 1905, recusou o prêmio Nobel em 1964, morreu em 1980.
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segunda-feira, junho 12, 2006

Todos os homens são mortais

Simone de Beauvoir

Editora Nova Fronteira

Tradução de Sérgio Milliet


Quando eu era adolescente achava que deveria ser muito bom jamais morrer. Quanto não se poderia ver, aprender, conhecer com uma vida sem fim? E quantas existências dentro da mesma vida poderíamos ter!... Seria a perfeição.
Nada mais falso. Quando li Todos os homens são mortais, mudei completamente minha forma de ver o mundo e de encarar a trajetória do homem neste estranho planeta chamado Terra.
Bastante diferente dos Highlanders que o cinema e a TV difundiram mundialmente, Raymond Fosca, o herói do livro de Simone de Beauvoir, é realmente imortal — ele não deixa de existir quando tem sua cabeça decepada. Se assim o fosse, não teria hesitado um minuto sequer em decepá-la ele próprio.
A Segunda Guerra Mundial fez com que tudo fosse examinado e revelou um aspecto terrível do homem. Para Beauvoir, os homens se definiam pelos seus corpos, suas necessidades, seu trabalho, e só o romance permitia evocar "na sua verdade completa, singular e temporal, a fonte original da existência".
Quando escrevia Todos os homens são mortais, de 1943 a 1946, Beauvoir atravessava um período que a incitava ao pessimismo: a guerra, a Ocupação, a morte dos seus amigos na Resistência, os crimes de guerra, os campos de concentração, a depuração. Ela não via surgir a aurora de uma época mais feliz, e estes milhões de mortos não eram justificados por nenhum progresso para o Bem universal.

Raymond Fosca devia viver eternamente e tentar identificar-se com o universo, agindo sobre ele. Beauvoir imaginou a estranha existência deste homem que continuava vivo, enquanto tudo ao seu redor se aniquilava: seus amigos, seus amores, as instituições, as religiões, as sociedades, as nações. Ao longo do tempo, Fosca descobre que o mundo se resolve em liberdades individuais e que cada uma delas estava fora de alcance. E aprende que a procura do Bem universal leva às perseguições, massacres, destruições e causa a infelicidade, faz surgir o Mal. Ele vê que o Bem não existe como valor universal e que não há senão homens divididos, hostis, exploradores e explorados, conquistadores e conquistados pelos quais nada se pode fazer. Seus grandes sonhos de progresso, de liberdade, se desfazem e ele constata que os homens não querem a felicidade. Apesar da experiência de uma vida várias vezes centenária, apesar do poder que tinha exercido em muitas ocasiões, Fosca não consegue melhorar a vida dos homens, instaurar a justiça e fazer triunfarem a razão e o interesse da maioria. A história se desenvolve e nada progride, a humanidade volta sempre para a violência, a opressão e a injustiça sob todas as formas.
Fosca imerge no desespero porque, no decorrer dos séculos, as infelicidades, os crimes da História recomeçam e se repetem. Sua memória se carrega de horrores e sua impotência o tortura.
Este romance metafísico abrange seiscentos anos e leva o protagonista ao redor da Terra, mostrando que a dimensão dos empreendimentos humanos não é "nem finita, nem infinita, mas indefinida".

Educada no seio de uma família burguesa e católica, Simone de Beauvoir (1908-1986), empenhou-se em desmistificar todos os ídolos que fizeram parte de sua juventude. Viveu em Paris até 1929, quando se licenciou em filosofia pela Sorbone; pouco antes conhecera Jean-Paul Sartre, um encontro decisivo para sua vida. Simone e Sartre formaram uma aliança que durou 50 anos.
Mulher de grande brilho intelectual, inconformista, insubmissa e de personalidade forte, em especial no embate com o bom-mocismo burguês, Simone de Beauvoir abominava o casamento, preferia o trabalho à maternidade e recusava qualquer privilégio que viesse untado do decantado (para ela abjeto) "eterno feminismo".
Em 1943, abandonou o magistério assim que conseguiu publicar seu primeiro romance A Convidada (L'Invitée), uma história indigesta, mesmo para liberais bem-pensantes. Atacada sem piedade inúmeras vezes por causa de seus livros, teve também a admiração de um grande número de leitores.

Wagner Campelo – Por um triz

domingo, junho 11, 2006

Apples - Nat. Morta - Cézanne

sexta-feira, junho 09, 2006

Conversas com Cortázar


Este livro é uma série de entrevistas, melhor dizendo e respeitando o título, é uma conversa entre dois amigos, o repórter uruguaio Ernesto Gonzáles e Cortázar, traduzido por Luís C. Cabral e prefaciado por Eric Nepomuceno.

Na primeira parte Cortázar fala da experiência européia, da vida de expatriado, da solidão e do significado disso para a sua produção literária. Os críticos argentinos, por muitos anos, o trataram como ‘escritor afrancesado’, ‘franco-argentino’, para o autor essa distância do país, muito ao contrário do que diziam, foi positiva para ele e para a literatura do seu país. Afinal de contas ele estava escrevendo em castelhano e ‘olhando diretamente para a América Latina’. Cortázar não aceita o que chama de ‘localismo’, ou seja, exigir de um escritor que permaneça no seu lugar de origem ou ser criticado em função do local o que não justifica o valor de uma obra e finaliza o assunto com a frase: “Para mim, os verdadeiros escritores são como caracóis – carregamos a nossa casa nas costas.” (p.18)

Na segunda parte o escritor fala sobre sua obra, o tempo que levou para publicar e, mais precisamente, sobre o gênero conto, o qual compara a uma esfera. “É uma coisa que tem um ciclo perfeito e implacável.”(p.28). Um assunto interessante abordado ainda nesta parte é a questão do duplo, tema recorrente na obra de Cortázar. “Ele se manifesta em muitos momentos de minha obra, separados por períodos de muitos anos.” (p.31) Diz que muitas vezes está escrevendo a história e nem se dá conta de que o duplo está presente, como em O Jogo da Amarelinha, “não percebi em nenhum momento que na figura de Talita se repetia a Maga.” (p. 31) O duplo o persegue para além da produção literária, conta uma experiência de ‘desdobramento’ que viveu uma vez quando andava numa rua de Paris e afirma também que Charles Baudelaire era o duplo de Poe, como prova cita a ‘correspondência temporal muito próxima’, a obsessão brusca de Baudelaire por Poe, a semelhança física, “se você pegar as fotografias mais conhecidas de Poe e de Baudelaire e colocá-las lado a lado, notará a incrível semelhança física que há entre eles.” As “coincidências psicológicas acentuadíssimas. O mesmo culto necrófilo, os mesmos problemas sexuais, a mesma atitude diante da vida, a mesma imensa qualidade poética.” (p.34)

Na terceira parte discorrem sobre o fantástico, Cortázar se diz insatisfeito com a definição de Todorov em L’introduction au fantastique, mas afirma que ele mesmo desistiu de definir o fantástico e diz ainda que não tem nenhum interesse pelos contos de Lovecraft, “me soam inteiramente fabricados e artificiais.” (p.36) O escritor fala também do seu lado pueril e da importância que teve para ele e leitura de Peter Pan, “coincidia com essa espécie de assimilação do personagem que eu acabei fazendo para sempre.” E depois discorre sobre as crianças e animais nos seus livros e na sua vida. A palavra jogo, relacionada ao universo infantil, está presente em muitos de seus títulos, nos contos ou na idéia deles: O Jogo da Amarelinha, Final de jogo, 62 – Modelo para armar. A literatura é um jogo, “o mais sério de todos.”(p.44)

A quarta parte é dedicada sobretudo à discussão de O Jogo da Amarelinha, uma de suas obras mais revolucionárias. O livro é, segundo o autor, um ajuste de contas e pode ser considerado autobiográfico, ali ele questiona tudo, compatriotas, família, amigos e a si mesmo. Afirma ainda que se tivesse ficado na Argentina não teria escrito este livro, o que o motivou foi o “choque brutal proporcionado por uma realidade muito diferente. A realidade européia deixou meu chão ensaboado, me tirou do lugar.” Para escrever o Jogo da Amarelinha Cortázar não seguiu nenhum plano, mas havia uma ordem, ‘a ordem evolutiva de Oliveira com a Maga.’ E há muito mais neste capítulo sobre a concepção de Amarelinha, o envolvimento que exige do leitor, os capítulos ‘prescindíveis’, o final aberto, as respostas dos leitores.

Na quinta parte discorrem sobre a linguagem e escolha dos temas. São os temas que o escolhem, diz Cortázar, ‘caem em cima de mim.’ A sexta parte é dedicada a um assunto de extrema imprtância para o autor, a música. Ele chega a afirmar que se pudesse escolher entre literatura e música, teria escolhido a segunda, mas faltava-lhe o talento. Fala da riqueza do jazz e da pobreza do tango, ‘O mundo do tango é pequeno e limitado, assim como Buenos Aires é uma cidade pequena e limitada com relação ao resto do mundo'. Finalizam essa parte com uma pequena observação sobre os posicionamentos políticos de Jorge L. Borges, tão distantes dos de Cortázar.

A sétima parte é quase integralmente dedicado ao homem politico, Perón, Cuba, Chile, literatura e política e à discussão de O livro de Manuel. Na oitava e última parte voltam à literatura e fantástico. Seria Cortázar realmente um escritor fantástico? O que significa para ele ‘ser escritor’?

É uma conversa que vale a pena. O leitor, sobretudo aquele que conhece um pouco de Cortázar (e para os que não conhecem este é um bom começo) não se decepcionará. Além de inteligente, o escritor é extremamente cortês, raramente responde por uma negativa, procura sempre dar ênfase às observações do seu interlocutor e responder de maneira satisfatória às perguntas. Se acha que saiu do assunto tenta retomar em seguida.


É um livro pequeno, 127 páginas, mas é uma conversa de peso.

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quarta-feira, junho 07, 2006

A arte de Cézanne



Nathanael Harris
Editora - Ao livro técnico
Tradução de Eliana Marques Roscoe

Paul Cézanne nasceu a 19 de janeiro de 1839 em Aix-en Provence, costa Sul da França. Amigo inseparável de Emile Zola, nos bancos do colégio (Zola era também de Aix), foi o escritor, mais tarde, quem o estimulou a mudar-se para Paris e matricular-se na Ecole des Beaux Arts.
As diferenças de personalidade que podem existir entre um homem e sua arte, no caso de Cézanne, são extraordinárias. O criador de um mundo calmo, estável, luminoso e ordenado era uma personalidade arredia sujeita a imensas e conflitantes pressões internas. Dado a misantropia, quando adulto, seus relacionamentos pessoais jamais foram íntimos e o casamento e a paternidade não alteraram sua necessidade de longos isolamentos. Na vida social ele era considerado insuportável, dado a ataques de desconfiança irracional e acessos nervosos.
Sua pintura, perfeitamente construída, em que a cor e a forma relacionam-se em harmonia absoluta, fizeram de seu autor uma das figuras principais do Pós Impressionismo levando Henri Matisse a afirmar: “ Cézanne é o pai de todos nós”
Sobre a obra produzida nos seus últimos trinta anos de vida repousa a grandiosidade de Cézanne. Retirando-se da vida parisiense, retorna a Provence e volta-se para as naturezas mortas, as paisagens e os retratos, onde o realismo total é sacrificado no interesse da verdadeira unidade pictórica. Neste e em outros conceitos ele é o precursor dos cubistas, mas sua influência vai mais além, e fazem de Cézanne um dos artistas mais vigorosos dos últimos cem anos.
Vamos postar aqui a série de suas naturezas mortas.


Imagem – Paul Cézanne - Cherries

terça-feira, junho 06, 2006

Confissões de uma máscara

Yukio Mishima
Vertente Editora

Tradução de Manoel Paulo Ferreira

Confissões de uma Máscara é um romance auto-biográfico, concentra-se principalmente na infância e adolescência de Mishima. Nesse que foi seu primeiro livro de sucesso, o autor afirma que se lembra do exato momento do seu nascimento e parte deste instante. Narrado em um estilo quase poético, próximo do leitor, sem esconder dúvidas e a complexidade que envolve o personagem/autor Mishima, pseudônimo de Kimitake Hiraoka.

O autor cita aqui alguns personagens da mitologia cristã, principalmente São Sebastião e Joana D’Arc. Esta última, por muito tempo, o narrador tomou por um homem, São Sebastião ele conheceu através da pintura de Guido Reni que viu reproduzida em um livro. Encantado com sua beleza passava horas diante da gravura, foi observando o santo que teve sua primeira ejaculação. A imagem perseguiu-o por muito tempo. Há inclusive uma famosa foto de Mishima em pose de São Sebastião.

Neste livro Mishima já trata também da questão da homossexualidade, descrevendo, por exemplo, a paixão que nutriu por Omi, aluno que estudava na mesma escola que ele.
Dentre os autores ocidentais citados no livro destaco Oscar Wilde e Stephan Zweig.
Mishima foi um leitor ávido, ainda muito jovem teve contato com autores franceses e ingleses. Antes dos quatorze anos, para infelicidade do pai que considerava a literatura um verdadeiro veneno na sua vida, Mishima já trilhava o caminho das letras.

Há um filme do diretor Paul Schrader sobre o autor, Mishima: Uma vida em quatro capítulos, de 1985.

Mishima nasceu em Tóquio, em 1925 e suicidou-se em 1970 segundo o ritual do Seppuku.
.......
imagem:
São Sebastião, Guido Reni

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