quinta-feira, junho 28, 2007

Graham Greene - O americano tranquilo

Graham Greene está meio esquecido ultimamente no Brasil. Autor de obras reconhecidas mundialmente, fazia muito sucesso por aqui. Creio que praticamente todos os seus livros estejam traduzidos para o português, mas nem mesmo quando, em 2002, o filme com Michael Caine, foi cotado para receber um Oscar, foi o suficiente para que o livro fosse reeditado. "O Americano tranqüilo", no entanto, é facilmente encontrado em qualquer sebo.
A literatura de Greene é surpreendente. Sempre são livros densos discutindo a posição do homem perante as grandes complexidades de um universo sem moral. Mesmo em seus livros menos "sérios", os quais ele dizia serem somente para diversão, há um traço amargo de ceticismo e desânimo. Para ele, é uma humanidade perdida em seu próprio niilismo, vazia e solitária. A razão para isso? A perda da fé em uma entidade superior, isto é, estamos em um mundo onde não existe mais a crença em Deus e que sofre as conseqüências disso. Greene se converteu ao catolicismo por meio do raciocínio e da lógica, e não por alguma revelação ou experiência mística e, por causa do seu sucesso, acabou sendo reconhecido como o maior romancista inglês católico.
Mas não se pense que seus livros sejam manuais ou cartilhas de seminário. Sua escrita é límpida e muito fácil de ser lida. Assemelha-se, a principio, a qualquer best-seller comum. A leitura corre rápida, mas quando menos percebemos, estamos no meio de um intrincado jogo de paradoxos e conflitos emocionais e morais. Essa mistura de enredos de romance policial, aventura ou de espionagem com profundidade filosófica, e sem qualquer pretensão de didatismo religioso, talvez explique sua enorme popularidade.
A própria vida de Greene proporcionaria um romance de aventura. Nascido em 1904, era um rapaz triste e melancólico que quase se suicidou quando tinha dezessete anos. Acabou se graduando em Oxford, fez carreira como jornalista, foi redator-chefe do Times de Londres, trabalhou em Cuba antes de Fidel. Foi funcionário do Serviço de Inteligência, isto é, foi espião. Viajou e conheceu vários países da América Latina, África e Ásia. Além de romances, escreveu com sucesso peças de teatro e roteiros de cinema (como o clássico "O Terceiro Homem", com Orson Welles).
Tudo isso está refletido em suas obras. Em "O Fator Humano" (talvez sua obra-prima, ao lado de "O Americano Tranqüilo"), ele desglaumoriza até o osso a figura do espião. Nada de James Bonds aqui. Somente funcionários do governo mexendo com um burocrático e monótono serviço de recebimento e despacho de envelopes. E, ao mesmo tempo, Greene discute o racismo inglês, a falta de perspectivas na vida, a alienação política, a estupidez burocrática, etc. "Nosso Homem em Havana" é uma sátira, uma comédia desbragada ironizando a espionagem e a incompetência dos ingleses em Cuba. "Os Farsantes" é uma análise pesada e densa, nada engraçada, sobre a ditadura haitiana. E por aí vai.
"O Americano tranqüilo" é um livro curto, pequeno. E contundente. Baseado em suas notas durante reportagens realizadas para a revista LIFE em 1952 e lançado em 1955, retrata a Indochina em sua tentativa de se livrar do domínio francês. Na verdade, os franceses estavam levando uma surra e se vislumbrava sua derrota posterior. Os olhos norte-americanos também estavam presentes e sua intervenção estava sendo prevista (embora, ninguém pudesse prever o vulto que isso tomaria pouco anos depois, quando a Indochina se tornaria Vietnã).
A história gira em torno de um decadente e cético jornalista inglês chamado Thomas Fowler. Farto dos seus colegas jornalistas, farto da guerra em um país que aprendeu a amar, farto da politicagem e da hipocrisia diplomática, pretende se manter à parte e distante de qualquer envolvimento mais sério. A não ser com Phuong (cujo nome significa "fênix"), uma jovem vietnamita. Ela (além do ópio) é a única alegria na vida de Fowler, mas não podem se casar pois sua esposa inglesa é católica e não lhe concede o divórcio.
E aí chega o tal americano tranqüilo, Pyle. Repleto de boas intenções, uma ingenuidade descomunal e um profundo desconhecimento do Oriente e suas especificidades, Pyle está imbuído de sua missão pela Democracia, Valores Humanos, uma Terceira Via para salvar o Oriente das garras de quem não o mereça (isto é, nem os franceses nem os próprios orientais "desprotegidos"). E com isso, com toda a força e seriedade de sua juventude e inconsciência, vai espalhando morte, destruição e tristeza. E também se apaixona por Phuong, forçando Fowler a finalmente tomar uma atitude.
O sarcasmo e a ironia de Greene são pesados. Com uma história tão banal, ele consegue transmitir uma diversidade de emoções, conflitos e fatos políticos que atingem o leitor como uma granada direto no coração. A cena de Pyle limpando os sapatos de sangue logo após a explosão de uma bomba em uma praça pública é uma das mais fortes de toda a literatura mundial.
Poderia render um filme clássico e inesquecível. Não foi o que aconteceu. Não foi assim com a primeira versão realizada em 1957, dirigida por Joseph Mankiewcz, mas mesmo essa é um pouquinho melhor, um tanto mais completa, do que este dirigido por Philip Noyce. Noyce joga fora toda a complexidade da situação e do texto original e somos jogados em um mundo binário, de opostos simplistas e simplórios, tratando o espectador como um verdadeiro imbecil.
Isso é diferente de considerar o espectador como ignorante dos fatos (quem, afinal de contas, além dos historiadores e analistas políticos, ainda sabe que aquela parte da Ásia foi uma possessão francesa, antes dos norte-americanos?). Greene, por exemplo, pela boca de Fowler faz um resumo da dificuldade de se entender a Indochina citando uma dezena de organizações, partidos políticos, seitas religiosas, todos com seus próprios exércitos e seus próprios interesses, somente em um parágrafo, um primor de concisão e contundência! Em um filme, se aproveitada, esta cena duraria cinco segundos e poderia ser igualmente impactante. Noyce até tenta fazer isso, na fala de um soldado francês explicando ... para o Fowler!



Não vou me estender nessa questão. Basta dizer que é um filme hollywoodiano e muita coisa fica assim explicada. No entanto, apesar de tudo, há algumas boas surpresas. Há a digna e competente atuação de Michael Caine, o que por si só não constitui surpresa nenhuma; mas também há a extraordinária e coerente interpretação de Brendan Fraser como Pyle, o que, vamos e convenhamos, não é pouca coisa! Foi muito injusto ele não ter sido indicado para Melhor Ator Coadjuvante.
Acima de tudo isso, porém, impressiona o próprio momento do filme. Em 2002, em pleno furor de ira Bushiana pós-11 de Setembro, o simples fato de filmar "O Americano tranqüilo" batia de frente com toda a histeria imperialista belicista ( e não foi à toa que ficou na ‘geladeira’ durante um ano e até cogitou-se de nem mesmo lança-lo). Se fosse um bom filme, quem sabe não impressionaria de verdade?
Dessa forma, o filme se deixa assistir numa boa, embora sem grandes comoções. Graham Greene merecia bem mais.
Claudinei Vieira – Desconcertos

quarta-feira, junho 27, 2007

Amos Oz vence o prêmio Príncipe das Astúrias de Letras


O escritor israelense Amos Oz é o vencedor prêmio Príncipe das Astúrias de Letras 2007, por ser um dos mestres da prosa hebraica moderna. O resultado foi anunciado nesta quarta-feira, em Oviedo, na Espanha.
Escritor israelense é o vencedor do prêmio espanhol de literatura Príncipe das Astúrias
Ele é mundialmente reconhecido pelo comprometimento na busca da paz entre israelenses e palestinos.
Oz já era favorito ao lado do albanês Ismail Kadaré. Também estavam na disputa a romancista canadense Margaret Atwood, o poeta coreano Ko Un e o escritor italiano Antonio Tabucchi.
Narrador, ensaísta e jornalista, Amos Oz "tem contribuído para fazer da língua hebraica um brilhante instrumento para a arte literária e para a revelação certeira das realidades mais diligentes e universais de nosso tempo". A declaração foi divulgada pelo júri, presidido por Víctor García de la Concha, principal nome da Real Academia Espanhola da Língua.
"Amos Oz é um dos intelectuais israelenses mais comprometidos com a busca de uma saída pacífica ao conflito entre Israel e Palestina, ao qual tem dedicado grande parte de sua produção de romances e ensaios", destaca o júri.
Em 2006, Oz participou da disputa do mesmo concurso, mas perdeu prêmio para o americano Paul Auster.
O israelense é autor de romances publicados no Brasil, como "A Caixa Preta", "O Mesmo Mar", "Meu Michel", "Não Diga Noite" e "Contra o Fanatismo".

Nascido em Jerusalém em 1939, Amós Oz recebeu em 1992 o Prêmio da Paz da Associação do Comércio Livreiro Alemão. Em 1998, foi condecorado com o Prêmio do Livro de Israel pelo conjunto de sua obra. É um dos principais rostos do movimento Israeli Peace Now desde a fundação, em 1977.Escritor internacionalmente aclamado, recebeu ainda o Prémio Fémina, francês, É professor de Literatura na Universidade Ben-Gurion.

Folha de S Paulo

domingo, junho 24, 2007

Memorial do convento - José Saramago

Publicado em 1982, o Memorial do Convento, de José Saramago, narra o período de construção de um Convento, em Mafra, em cumprimento de promessa feita pelo rei D. João V. Concomitantemente, é narrada a construção de uma passarola, sonho do padre Bartolomeu com os auspícios do rei, mas perigosamente à margem do Santo Ofício. O padre é ajudado pelo casal Baltasar / Blimunda.

Uma das questões corticais neste romance é a fronteira entre a história e a ficção. Saramago não se vê como um escritor histórico mas antes como um autor de uma história na História. O seu argumento traduz-se numa estratégia narrativa que entrecruza três planos relevando o da ficção da História e o do Fantástico em detrimento do plano da História.
Memorial do Convento consegue articular um plano da História (Portugal no século XVIII, durante o reinado de D. João V, com Autos-de-Fé, procissão de penitentes, casamento dos infantes...) com um plano da ficção da História (elementos históricos que são moldados pela ficcionalidade transformando, por exemplo, D. João V e a rainha Ana de Áustria em caricaturas e elevando, na edificação de Mafra, um herói coletivo e anônimo – os milhares de trabalhadores) e o plano do Fantástico (construção da Passarola, sonho de Blimunda, Baltasar, personagens ficcionais e Bartolomeu Lourenço, figura histórica do tempo).
Neste romance, Saramago transforma Mafra num símbolo do país.
A escrita de Saramago integra-se nos novos caminhos do romance em Portugal nos últimos anos tendo sabido recriar os caminhos do Fantástico. Em Memorial do Convento, a vertente fantástica, não sendo instituída como referência isotópica primordial, funciona pela oposição ao mundo retratado, como elemento fundamental. No romance, a realidade histórica encontra-se enleada nas teias da ficção e mais concretamente no fantástico quando fatos conhecidos pelo leitor são cruzados com elementos meta-empíricos, como o ânimo que dá ao homem a possibilidade de voar e o jejum que comunica à filha da feiticeira a capacidade de vislumbrar o interior dos humanos. O fantástico torna-se em Saramago "um modo de exacerbar a atenção sobre a terra portuguesa, sobre as suas demasias e os seus golpes.

Antonio Bicalho
Sobre Mafra
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sábado, junho 23, 2007

Tomie Ohtake - Sem título

quinta-feira, junho 21, 2007

DIÁRIO DE UM VELHO LOUCO

Junichiro Tanizaki
Utsugi é um velho de 77 anos que vai relatando seu quotidiano, à primeira vista, morno, em um diário, como indica o nome do romance. Temos, então, acesso à rotina dos remédios, hospital, médico, família, dores. Mas, Utsugi é um velho que, confrontado às doenças e à idade, decide que não tem nada a perder. E pessoas que não têm nada a perder podem ser muito interessantes. Assim é este romance, o último de Tanizaki, escrito já nos anos 60. O autor estava também na casa dos setenta e sabia bem do que falava. O tema não é novo na obra de Junichiro Tanizaki, fetichismo, masoquismo, mulheres encantadoras prontas para se aproveitarem da fraqueza de um homem. No caso desta obra, a mulher em questão é a nora de Utsugi, Satsuko que vive na mesma casa e é odiada pelas cunhadas, o narrador se compraz com os desentendimentos e toma, claro, sempre o partido da nora. Mas podemos mesmo afirmar que Satsuko é uma aproveitadora sem correr o risco de cair na armadilha do moralismo? Nem o autor, nem o narrador são moralistas, em momento algum. Não encontramos aqui nem moralidade, nem imoralidade, como a maior parte da obra de Tanizaki, este diário pode ser considerado amoral. E por outro lado, quem estaria manipulando quem? O velho Utsugi deixa claro que, apesar de velho e impotente, ainda sente desejo. Escreve em seu diário:
“Penso, antes, que o fenômeno tem a ver com a sexualidade de um velho impotente — pois alguma sexualidade existe, mesmo num velho impotente.”
Ou ainda:
"Não tenho nenhuma intenção de me apegar tenazmente à vida, mas uma vez que continuo vivo, não posso deixar de sentir atração pelo sexo oposto.”
É bem verdade que Satsuko aceita os presentes do sogro, jóias caras, por exemplo e permite que o velho a espie durante o banho, que toque o seu pé, esta parte do corpo tão importante na obra de Tanizaki:
“Percorro com os lábios desde a panturrilha até o calcanhar. Para minha surpresa, ela não reclama. Me deixa agir à vontade. Minha língua explora o dorso do pé e alcança a ponta do dedão. Ponho-me de joelhos, pego o pé nas mãos, ergo-o e encho a boca com o dedão e os dois dedos seguintes. Pressiono os lábios contra o arco plantar.”
Essa é uma parte do jogo entre os dois personagens principais e não cabe aqui nenhum julgamento. O velho se alegra com as migalhas que a vida ainda pode olhe oferecer. É tudo. E porque se dar o trabalho de manter um diário? Em parte pelo prazer de escrever. Ele explica:
“Mantenho um diário porque gosto de escrever. Não pretendo mostrá-lo a ninguém. A vista anda espantosamente fraca, não consigo ler quanto gostaria e, como não tenho outras distrações, estou sempre disposto a escrever para passar o tempo. Uso pincel grosso e escrevo graúdo para facilitar a leitura. Guardo o diário num cofre pequeno, não quero que ninguém o leia. Já lotei cinco desses cofres. Imagino que será melhor queimar os manuscritos algum dia, mas me agrada também a idéia de deixá-los para a posteridade.”
As histórias de Tanizaki são sempre muito tem consctruídas, é possível ler o autor somente por sua narrativa, mas o mais fascinante ainda é o seu texto, a sua forma de escrever, de discorrer sobre a existência, a sexualidade,a velhice sem nunca condescender. A vida como ela é, mas mostrada em elegantes linhas.

A edição da Estação Liberdade foi traduzida por Leiko Gotoda, sobrinha de Tanizaki.
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Leila Silva Terlinchamp - Cadernos da Bélgica
Mais sobre literatura japonesa no Bungaku.

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segunda-feira, junho 18, 2007

Philip Roth - Exit Ghost


Está previsto para Outubro deste ano (2007) , o lançamento de “Exit Ghost“, o último romance de Philip Roth. O mesmo “fantasma “ que surgiu pela primeira vez na sua obra em “The Ghost Writer”, publicado em 1979, vai finalmente desaparecer de cena. Pelo menos é o que afirma o seu criador.
Preparemo-nos, então, para a última aparição da célebre personagem - e alter ego de Philip Roth - Nathan Zuckerman, o qual, com uma idade avançada, voltará a Nova Iorque depois de vários anos de afastamento e de quase clausura. A expectativa que rodeia este acontecimento - a realidade e a ficção confundem-se - funciona como alibi para passar em revista a vida e obra deste escritor norte-americano que, tanto provoca as maiores laudas - já recebeu todos os prémios possíveis menos o Nobel que lhe é inteiramente devido - como é confrontado com acusações de misoginia e arrogância. Homem, heterossexual, norte-americano e judeu, Roth é um dos mais importantes escritores contemporâneos, senhor de um imaginário muito próprio que conjuga, na perfeição o sentido de comicidade, ironia e autocrítica de Woody Allen com a tortuosa herança existencial de Kafka. Quem tem acompanhado de perto a sua obra ao longo das últimas décadas ficará com uma excelente ideia da evolução da sociedade americana e da psicologia de um povo. Como bónus terá uma perspectiva abrangente, marcante e desapiedada das sucessivas idades de um homem, uma vez que o autor não se coíbe em retratar, com detalhes que vão do cómico ao escatológico, as suas próprias experiências de vida. Mas atenção: os romances de Roth não são estritamente autobiográficos e ele consegue, como escritor, facultar uma perspectiva bem nítida da intemporalidade e universalidade das suas personagens. Basta ler ou reler a sua mais recente obra “Everyman” (2006) para perceber que ele se dedica a dissecar o ser humano em toda a sua grandeza (quando esta existe), miséria(s) e banalidade. Foi Martin Amis que disse que Philip Roth é um escritor de romances autobiográficos que escreve sobre a escrita de autobiografias, o que explica muita coisa em relação à vida, às preocupações e as angustias do autor.
Roth tornou-se (muito) famoso quando saiu o seu livro “O Complexo de Portnoy”, em 1969. Não era um desconhecido visto que “Goodbye Columbus”, escrito dez anos antes, uma colectânea de contos mais uma novela que acabou por ir parar ao cinema, teve um relativo sucesso. Mas foi com a figura de Alexander Portnoy que Roth passou a ter um estatuto especial, juntamente com autores judeus do mesmo calibre, como Saul Bellow e Norman Mailer.
Philip Roth nasceu em Nova Iorque, Newark, em 1933. Segundo o seu próprio relato em “Patrimony”, o avô Roth estudou para ser rabino na sua Polónia natal mas emigrou para a América em 1897, sozinho, deixando para trás a mulher e três filhos. Empregou-se numa fábrica de chapéus e aí trabalhou duramente para conseguir mandar vir a família que aumentou logo de seguida. Em 1914 os irmãos já eram sete. O pai de Philip, Herman, era vendedor de seguros e a mãe, Bess, tomava conta da casa e dos filhos. Estiveram casados durante cinquenta e cinco anos, até ela morrer de um AVC que deixou o pai do escritor inconsolável. Roth estudou na Bucknell University e na University of Chicago e começou a sua carreira a ensinar na prestigiada University of Iowa - berço de inúmeros escritores célebres que frequentavam as aulas de “creative writing” - e mais tarde na não menos famosa Princeton University. Em Chicago conheceu o escritor Saul Bellow, de quem se tornou amigo, que lhe apresentou a sua primeira mulher, Margaret Martinson. Estiveram casados dois anos, tendo-se divorciado em 1963. Margaret ( a quem Roth chamava “macaca” e que morreu em 1968 num acidente de viação) passou a fazer parte da galeria de personagens da obra “rotheana“. Em “My Life as a Man” - um retrato quase fiel do seu casamento - e em “O Complexo de Portnoy” algumas das figuras femininas basearam-se em Margaret. As feridas abertas pelo divórcio não chegaram a sanar, deixando Roth com um permanente sentimento de frustração e culpa. Ainda de acordo com o seu romance pseudo confessional “Operação Shylock” de 1993, Roth teria sofrido um esgotamento nervoso nos finais dos anos oitenta. Mas depois começou a viver com a actriz inglesa Claire Bloom com quem casou em 1990, tendo-se divorciado cinco anos depois. Bloom, depois da separação, publicou um livro - “Leaving a Doll´s House” - sobre a sua experiência como actriz e onde fazia “revelações” que não abonavam nada a favor do ex-marido. Bloom, que parece ter ficado subjugada pelo encanto de Roth, acusa-o no entanto de profunda misoginia e de viver fixado nas duas obsessões que atravessam todos os seus livros e que o próprio Roth diz serem o motor da vida dos americanos: o sexo e o dinheiro. É provável que Bloom tenha razão - embora no livro se mostre uma mulher queixosa e muito centrada em si própria - mas a verdade é que Roth, à custa de quem o sempre tem rodeado, conseguiu criar, em ficção, um universo que é bem real. Em resposta à ex-mulher, Roth escreveu “Casei com um Comunista”, uma sátira feroz - mais uma - que aproveita o absurdo da era MacCarthy e da sua “caça às bruxas” para mostrar outro dos lados negros da América, com toda a sua hipocrisia e pseudo moralidade. É preciso lembrar que a relação de Philip com as mulheres é complexa, difícil e conflituosa. Se por um lado elas são, obviamente, uma fonte inesgotável de desejo e um caudal infinito de prazer(es), por outro, são a causa de todas as desgraças, a razão da “queda” dos homens. Tudo porque, ainda de acordo com o escritor, são elas que mais preservam e impõem as normas de conduta e as regras sociais vigentes, o que entra em conflito directo com as “aspirações masculinas de liberdade”.
O que vale a Roth é que ele possui um invejável sentido de humor. Basta começar por ler “ O Complexo de Portnoy”, o seu quarto romance, onde o escritor deu largas à sua verve desenfreada, brutal e hilariante. Trata-se da história de Alexander Portnoy, um jovem advogado nova-iorquino que passa o livro a confessar-se ao seu psicanalista, o (tornado) célebre Doutor Spielvogel, autor de textos científicos como “O Pénis Perplexo”. O leitor desprevenido será imediatamente alertado pela epígrafe que explica: “ O Complexo de Portnoy: uma perturbação que leva quem dela sofre a um perpétuo conflito entre fortes impulsos altruístas e de natureza ética e um desejo sexual extremo, muitas vezes de origem perversa.” Alexander relata com todos os pormenores a sua fixação pela mãe dominadora, Sophie, a sua tendência compulsiva para a masturbação e outros detalhes da sua intensa vida privada, dominada pela imprevisível e tirânica testosterona. Roth explora aqui a diferença e o atrito que resulta entre o que é básico e natural no ser humano e aquilo que, depois, devido aos preconceitos e tabus de uma sociedade, transforma a vida de qualquer mortal num inferno. Valeria a pena reler, agora, este livro que surgiu como uma bomba numa América dilacerada entre a Guerra do Vietname - e a defesa da sua legitimidade por parte da ala mais conservadora - e os movimentos hippies e pacifistas dos finais dos anos sessenta.
Conflitos como este irão ser o mote de Philip Roth ao longo da sua vida e da sua carreira, à medida que explora as suas vivências em relação ao sexo, às relações com as mulheres, à velhice e à morte. Nada escapa ao seu olhar escrutinador, fatalista e satírico. A vida é uma farsa bem apanhada que vale a pena ser vivida, apenas para ser denegrida e exaltada em igual proporção. De Portnoy, que se dedica quase a tempo inteiro às alegrias ( e tormentos) das pulsões eróticas mais desenfreadas até ao herói do seu antepenúltimo livro, o conto moral de inspiração medieval “Everyman”, onde um hipocondríaco acaba por morrer de velho (evidentemente), o autor confessa-se directamente ao seu público. Ele foi, sempre, esse Nathan Zuckerman, uma personagem ficcionada que se parece intimamente com o seu criador e tal como ele, é um judeu de Newark que escreve um romance “Carnovsky”, cuja acção e personagens são directamente inspiradas pela sua própria família e amigos e que se revela imediatamente um sucesso fulminante. Nathan ganha uma fortuna e torna-se uma celebridade que todos querem conhecer, uma espécie de Pop Star com direito a todas as mordomias. As mulheres perseguem-no até à cama e ele casa com três delas, em rápida sucessão. O mundo sorrir-lhe-ia se não fosse a o facto de ter toda a família, vizinhos e conhecidos numa feroz campanha contra ele, uma vez que se sentem prejudicados pela imagem retratada nos livros. Assim, o pobre Zuckerman irá continuar o curso dos seus dias numa luta perene entre as raízes, o passado e a sua cultura, isto é, a voz da sua consciência, versus a sua vida real, feita de excessos, abundância material e sexual e uma sede cada vez maior de dinheiro, mulheres e poder. Mas o que separa a sua personagem de outras semelhantes - como o John Self de Martin Amis em “Dinheiro“ - é que Nathan, como bom judeu, é um homem atormentado e consciente da inevitabilidade da morte e da passagem do tempo.
Helena Vasconcelos - Storm

sábado, junho 16, 2007

Marcelo Coelho - Tempo Medido

"Costumava resistir a chamar de 'crônicas' aquilo que escrevo para o jornal. Por certo, há nesses textos um tom subjetivo, descompromissado com a informação jornalística mais 'dura', e certa liberdade na associação de idéias, que a rigor não correspondem às exigências mais estritas do trabalho de crítica ou de reportagem. Mas a crônica pura, a meu ver, não é um gênero argumentativo, que suscite do leitor discordância ou concordância intelectual. Costumo discutir idéias nesses textos; ainda que, com o passar dos anos, eu tenha passado a evitar o puro impulso da provocação polêmica, um fundo de opiniões constantes, e mesmo teimosas, sustenta a maior parte dos artigos". Assim Marcelo Coelho abre sua recém-lançada coletânea Tempo medido (Publifolha), que reúne 101 crônicas selecionadas das que publicou semanalmente na "Ilustrada", da Folha de S.Paulo, entre 1998 e 2007.
Apesar da repetição de algumas passagens, caso da sensação das crianças de que quando se fecha a porta de um quarto, as coisas lá dentro começam a se mexer, e da citação da frase de Caetano Veloso, "de perto ninguém é normal" (que aparece em Retrato de um torturador e em Um dia ameno com Hitler e Eva Braun), Marcelo Coelho discorre a respeito dos mais diferentes assuntos com bastante propriedade numa linguagem particular, que mistura o erudito com bom-humor, muitas vezes ácido. Há desde comentários a respeito do seriado Perdidos no espaço e de uma exposição que exibia um "falso" divã de Freud, camuflado por um tapete, até uma triste previsão do futuro político brasileiro quando trata das alianças do PT com o PL e de Lula com o publicitário Duda Mendonça, na qual conclui em 9 de janeiro de 2002: "A esta altura, já não sei se é Duda Mendonça quem trabalha para Lula ou se é Lula quem trabalha para Duda Mendonça. Eles que se entendam".
Um dos melhores textos é "Burocracia participativa", em que Coelho descreve os terríveis sistemas de serviço por telefone, que obrigam o usuário a ficar apertando teclas sem parar e escutando músicas eruditas que, repetidas à exaustão, se tornam insuportáveis. Há ainda um ótimo texto a respeito da terrível mania de se preencher cupons para concorrer a qualquer coisa. Nesse sentido, sente-se falta de dois textos, que infelizmente ficaram de fora dessa coletânea: um a respeito das dificuldades da vida moderna, quando descreve o sabão líquido de banheiros públicos que mais parece um cuspe em suas mãos (ele sofre de saudades de quando era possível passar horas lavando as mãos com sabonete!) e outro que descreve o acanhamento de Gustavo Kuerten ao voltar ao Brasil após vencer algum torneio internacional como sendo semelhante ao de um garotinho diante de uma tia velha e gorda.
No final do livro, Marcelo Coelho já é quase um amigo de infância, um tio bem-humorado que gosta de contar histórias divertidas ou aquele vizinho ranheta que reclama de quase tudo, mas que, no final, conquista, de modo avassalador, todas as pessoas ao seu redor. É a isso, provavelmente, que denominam o poder da crônica, ou seja, criar rapidamente uma identidade com o leitor e, ao tratar de temas aparentemente banais, levantar questões bastante profundas.

Guilherme Bryan – Revista Cult

quinta-feira, junho 14, 2007

Tomie Ohtake - Sem título

segunda-feira, junho 11, 2007

Carta de Simone de Beauvoir a Nelson Algren

Sexta-feira, 26 de setembro de 1947*

Nelson, meu amor,

Foram só vinte e três horas até Paris, aportamos às 6h, amanhecia. Eu estava muito cansada depois de duas noites sem dormir, bebi café e tomei dois pequenos comprimidos para me manter acordada durante o longo dia. Paris estava muito bonita, um pouco nevoenta, com um céu cinza, suave, e o aroma das folhas mortas. Fiquei muito contente ao descobrir que tinha muito a fazer aqui, tanto que só devo ir para o campo o mês que vem. Primeiro, o rádio dá ao Temps Modernes uma hora inteira a cada semana para falar sobre o que quisermos, da maneira que quisermos. Você sabe o que significa a possibilidade de chegar a milhares de pessoas e tentar fazer com que eles pensem e sintam do modo que acreditamos seja correto pensar e sentir. Isso tem de ser manejado com muito cuidado, e hoje de manhã tive uma espécie de conferência para falar sobre o assunto. Segundo, o Partido Socialista quer nos consultar sobre a possibilidade estabelecer uma conexão entre política e filosofia. Parece que as pessoas começam a acreditar que as idéias são algo importante. Terceiro, havia inúmeras cartas de todos os tipos e muito trabalho para tocar na própria revista. Eu estava feliz, quero trabalhar, trabalhar muito. A razão por eu não ter ficado em Chicago é essa minha eterna necessidade de trabalho, de dar sentido a minha vida pelo trabalho. Você tem a mesma necessidade, e essa é uma das razões pelas quais nos entendemos tão bem. Você quer escrever livros, bons livros, e, aos escrevê-los, ajudar o mundo a ser um pouco melhor. Eu também quero isso. Quero transmitir às pessoas minha forma de pensar, que creio ser a verdadeira. Eu devia desistir das viagens e todo tipo de diversão, devia desistir dos amigos e dos encantos de Paris a fim de poder ficar para sempre com você; mas não poderia viver somente de felicidade e amor, não poderia desistir de escrever e trabalhar no único lugar em que minha escrita e meu trabalho talvez faça sentido. O que é bastante difícil, pois, como lhe disse nosso trabalho aqui não é muito promissor, e o amor e a felicidade são coisas tão verdadeiras, tão seguras. E, no entanto, ele tem de ser feito. Entre as mentiras do comunismo e do anticomunismo, contra essa falta de liberdade que grassa quase em toda França, algo deve ser feito por pessoas capazes e que se importem com a situação. Meu amor, isso não cria nenhuma divergência entre nós; pelo contrário, eu me sinto bem próxima de você nessa tentativa de lutar por aquilo que julgo verdadeiro e bom, seguindo seu exemplo. Mas, ainda assim não pude evitar o choro convulsivo esta noite, já que passei momentos tão felizes com você, amei-o tanto e agora uma distância enorme nos separa.


Sábado – Estava tão cansada que dormi 14 horas, só acordei uma vez durante a noite para pensar em você e chorar mais um pouco. De tanto chorar, estava tão feia esta manhã que, ao cruzar com Camus na rua, ele me perguntou se eu não estava grávida: segundo ele, minha cara não deixava dúvidas!


*Essa carta foi escrita por Simone de Beauvoir a Nelson Algren. Ela descreveu seu longo e apaixonado relacionamento com ele em seu romance Os Mandarins (1954). Simone tinha 39 anos quando se encontraram , estava envolvida com Sartre e escrevia O Segundo Sexo.
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Mais sobre Simone de Beauvoir no excelente site de Wagner Campello.

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Leila Silva Terlinchamp - Cadernos da Bélgica

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sexta-feira, junho 08, 2007

Tomie Ohtake


Tomie Ohtake nasceu em Kyoto, no Japão. Em 1936, com 23 anos, veio para o Brasil e instalou-se na cidade de São Paulo, naturalizando-se brasileira em 1968. Desde a adolescência se interessava pela arte, e este desejo de ser artista reapareceu ao visitar uma exposição do artista plástico japonês Keisuke Sugano, em 1952.
Tomie teve algumas aulas com o artista e no ano seguinte já participava do Salão Paulista de Arte Moderna e do Salão do Grupo Seibi. No começo de sua carreira retratava paisagens, principalmente do bairro paulistano onde morava; pouco depois trocou a arte figurativa pela abstrata. Sua primeira exposição individual ocorreu em 1957 no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Os anos 60 foram decisivos para a maturação do trabalho de Tomie Ohtake. Neste período toda a técnica de seu trabalho conflui-se com a sua personalidade. No ano de 1960 foi premiada no Salão Nacional de Arte Moderna e no ano seguinte participou pela primeira vez da Bienal Internacional de São Paulo. No final da década começou a trabalhar com serigrafia e posteriormente passou a executar gravuras em metal e litografias, que já em 1972 foram exibidas na Bienal de Veneza ao lado de nomes consagrados internacionalmente.
Durante a sua carreira realizou diversas obras públicas, como o painel pintado no Edifício Santa Mônica, na Ladeira da Memória, em São Paulo; a escultura Estrela do Mar, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro; a escultura em homenagem aos oitenta anos da imigração japonesa no Brasil, painéis para o Memorial da América Latina, para a estação Consolação do Metrô, em São Paulo, para o Colégio Mary Imaculate em São Paulo.
Artista consagrada, aplaudida e reconhecida pela crítica, recebeu inúmeros e significativos prêmios: melhor pintor do ano em 1974, 1979 e 1983, e em 2001 o prêmio personalidade artística do ano da Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 1995 conquistou o Prêmio Nacional de Artes Plásticas do Ministério da Cultura e no ano passado recebeu o Grande Prêmio da Crítica de Artes Visuais da APCA.
Em 2000, foi lançado em São Paulo o projeto do Instituto Tomie Ohtake, idealizado e coordenado por Ricardo Ohtake e projetado por Ruy Ohtake, inaugurado em novembro de 2002, em São Paulo. Incansável, aos 90 anos, Tomie continua fazendo arte e inspirando novos e consagrados artistas com suas cores e formas.

Imagens:
- Entrada do Inst. Tomie Ohtake – SP
- Sem título – oleo sobre tela

segunda-feira, junho 04, 2007

Um Beijo de Colombina

Adriana Lisboa
Editora Rocco
Número de páginas: 137

Neste livro a autora dialoga com a obra do poeta Manuel Bandeira, cada capítulo leva o nome de um de seus poemas. É a história de Teresa, uma escritora jovem, bonita e promissora, exatamente assim como a autora deste livro, Adriana Lisboa. Teresa está, olha o jogo de espelhos, escrevendo uma obra que ‘dialoga’ com a obra de Manuel Bandeira. Na verdade, no começo, quem está escrevendo não é Teresa, ela pretendia escrever, mas se afoga (ou supõe-se, sai para nadar e desaparece) no mar de Mangaratiba e seu namorado, um professor de latim, na esperança de digerir os acontecimentos, empreende a escrita da obra que Teresa tinha idealizado.
Adriana Lisboa nasceu no Rio de Janeiro em 1970, estudou música, mas hoje se dedica inteiramente à literatura. É escritora e tradutora.
Leila Silva Terlinchamp - Cadernos da Bélgica
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sexta-feira, junho 01, 2007

Tom Wolfe - Um livro por inteiro

Estou lendo um livro fantástico: "Um homem por inteiro". É o segundo romance de Tom Wolfe, publicado em 1998, 11 anos depois do sucesso de "Fogueira de vaidades", sua estréia na ficção.
Fui levado a lê-lo por conta de um artigo de Wolfe em resposta às críticas que recebeu de uma espécie de Santíssima Trindade da literatura "oficial" americana: Norman Mailer, John Updike e John Irving. Os três desancaram o livro. O texto, da coletânea de artigos e reportagens "Ficar ou não ficar", é devastador - no mesmo estilo dos excelentes "A palavra pintada" e "Da Bauhaus ao nosso caos" - livros onde ele fundamenta em argumentos tudo o que a maioria já pensou, mas não teve coragem de dizer, sobre a arte e a arquitetura modernas.
Animado pelo artigo, parti em busca do livro e acabei encontrando um exemplar em ótimo estado no "Baratos da Ribeiro", um sebo simpaticíssimo de Copacabana que eu não visitava havia séculos. Procuramos, eu e Gilberto, o atendente, por todo o sebo e nada. De repente, quando o assunto era já outro e eu me conformara em continuar minha busca depois, eis que ele encontra o livro na... vitrine da loja! Foi o primeiro de muitos acasos que têm cercado este livro. Contarei outros.
Comecei a ler o livro logo no caminho de volta para a casa. A primeira impressão, registrada no Lado Blog do Café Impresso, foi positiva, mas não conseguiu superar "Fogueira de vaidades", que já abre a todo vapor. Na verdade, "Um homem por inteiro" pretende construir um painel mais ambicioso. Por isso, começa mais lento, apresentando personagens distantes tanto social como geograficamente, mas que vão convergindo com o acelerar da trama. É uma bola de neve, que vai crescendo, crescendo até envolver o leitor irremediavelmente. Não há como parar de ler e, da metade em diante, o livro torna-se vertiginoso.
Um personagem que parecia secundário ganha uma dimensão repentina que beira o mítico. E aí, revela-se a mão do grande escritor. Depois de uma série de infortúnios, o tal personagem acaba na cadeia e lá o Acaso (que é onde sempre onde sentimos a proximidade de Deus), uma simples troca de livro por conta de uma confusão de títulos, vai desencadear um nova sucessão de fatos, cada vez mais grandiosos que, já posso deduzir, serão decisivos na definição da história.
O rapaz pedira um best-seller tipo "Código da Vinci", cujo título era "O jogo dos estóicos" e recebe, para sua tristeza, uma... coletânea acadêmica de textos estóicos! Mas, ao ler na introdução que um dos autores, Epiteto, fora um prisioneiro na juventude, ele estabelece uma imediata comunicação com o filósofo, que lhe parece falar diretamente ao coração. "Dei-vos uma porção da nossa divindade, uma centelha do nosso próprio fogo, o poder de agir ou não agir, a vontade de obter e a vontade de evitar. Se prestardes atenção nisso, não gemereis, não culpareis homem algum, não bajulareis ninguém". É Zeus falando ao rapaz pela boca de Epiteto. Lindo!
Como foi lindo também descobrir que, em abril, no meu aniversário, eu ganhara de Waldemar, meu queridíssimo amigo e irmão, exatamente uma coletânea de textos estóicos! E lá estavam, no mesmo inglês fluente, as palavras de Epiteto que tanto agitaram o personagem agindo também sobre mim! Obrigado, Wal!
Não quero dar mais detalhes para não estragar o gozo da leitura, mas o efeito da narrativa tem sido surpreendente e emocionante. É nessas horas que percebo que nada se compara à literatura ou tudo mais parece ser dela uma variação: cinema, música, teatro. Tudo, me parece, se reduz à literatura. Mas nada se compara à experiência da palavra agindo diretamente sobre a alma do leitor, numa relação que desafia todas as limitações de tempo e espaço e parece apontar, diretamente e sem equívocos, para outra dimensão do ser - da qual a dita "realidade virtual" é hoje o simulacro mais evidente.

Antonio Caetano - Café Impresso
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