terça-feira, janeiro 30, 2007

Djanira - Serradores - 1959


domingo, janeiro 28, 2007

Djanira - Costureira - 1952

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Leituras em 2006: um esboço de retrospecto

Lendo por paixão e profissão e relendo constantemente os livros que mais me agradam, temo sempre os retrospectos do tipo "Os melhores do ano segundo Fulano de Tal" porque não li livros que todo mundo parece ter lido, não vou na onda das unanimidades, não tenho acesso a muitos dos livros novos que vêm sendo publicados por editoras cujas edições não chegam à minha cidade (Poços de Caldas) e algumas delas só me chegam por obra da amizade, da distribuição dos próprios autores.

"Lugar algum em parte alguma", de Nelson de Oliveira (Record), me agradou bastante, pelo nonsense fino e os calculados e bem sucedidos delírios da prosa de Nelson. "Modo de apanhar pássaros à mão", revelou, para mim, a Maria Valéria Rezende contista, com alguns contos particularmente bem escritos e sedutores. "Contos negreiros", de Marcelino Freire (Record), me pareceu um livro de uma força inegável - fui arrastado pelo clima das narrativas-cantos de Marcelino, cujo talento só parece estar crescendo, nos últimos anos. Também me surpreendi com a descoberta dos contos agudos e atmosféricos de “A leste da morte”, livro de Nilto Maciel editado pela pequena Bestiário, acessível a uns poucos, mas merecedor da maior atenção. Outra boa surpresa foi reencontrar pela Internet uma velha amiga, Yara Camillo, que conheci como contista em esboço nos anos 80 e cujo talento se confirmou em “Hiatos” (RG), livro em que alguns contos são verdadeiros primores de humor e sensibilidade. E foi, para mim, a grande descoberta do ano, em termos de contos, o contato com o livro “Faca” (Cosac & Naify), de Ronaldo Correia de Britto, escritor pernambucano que me parece injustamente pouco lido por aqui. A qualidade de sua prosa enxuta, substantiva, em que nenhuma palavra parece fora do lugar, é incomum e sugere um mestre oculto.

Em termos de romance, não li os que parecem estar sendo mais votados e citados, até porque, como disse, as unanimidades não me arrastam, e, tanto quanto possível, leio pelo prazer da leitura, sem que a moda e as vitrines de livrarias, onde reluzem os nomes de maior venda, me aliciem. Mas, recebi o último de Ignácio de Loyola Brandão, “A altura e a largura do nada” (Jabuticaba), e gostei de ver ampliado o universo que o escritor já explorara no belo romance “Dentes ao sol”, do início de sua carreira – o de sua Araraquara natal. É particularmente forte o senso de absurdo, o humor negro, as referências nostálgicas, brincalhonas, poéticas, que nos assediam, na pintura de uma cidade do interior cheia de personagens cativantes. Outro prazer constante que os livros de Loyola oferecem é essa capacidade de cunhar títulos delirantes que o escritor tem. “A altura e a largura do nada”, que o leitor naturalmente saberá o que é ao ir mergulhando naquele mundo araraquarense-universal, é um achado.

Releio mais do que leio, esta é a verdade. E, pela boa razão de que os livros novos são caros demais nas livrarias, vivo fuçando em sebos, onde reencontro livros que um dia tive e amei como “A canção da relva”, obra-prima de Doris Lessing, e “O chamado da selva”, de Jack London. Não se coloca esse tipo de leitura em retrospectos solicitados aqui e ali já que não representam o que está em voga, o que saiu pelas grandes editoras nacionais do momento, mas, na verdade, o mundo da releitura é um grande consolo, quando se olha ao redor e não se vê nada muito estimulante. Acho até que as pessoas que têm contato com o mundo dos livros deveriam voltar-se mais para as próprias estantes, constatar em algumas lombadas títulos que nem leram direito, que apenas colocaram lá, e empreenderem a leitura, podendo fazer grandes descobertas.
Acontece muito, a quem tem contato constante com esse universo editorial, que receba livros de autores novos e não haja tempo ou disposição para lê-los. Algumas edições desanimam, pela aparência deficiente, ou dão aquela impressão de aridez, de coisa forçada, de um universo novo em que não queremos penetrar. Vai ficando difícil, à medida que se envelhece, ter boa vontade para com gente nova, e isso não deve surpreender a ninguém. A idade “provecta”, por assim dizer, é a idade do amadurecimento espiritual, da confirmação do que se conhece e se ama, e, por uma questão de tempo, parece muitíssimo mais fecundo ficar em terrenos já percorridos e descobrir encantos novos nesses mesmos terrenos. Nesse caso, o que se chama de “monotonia” nada mais que é a confirmação de uma personalidade, que nos foi árduo conquistar e de que, compreensivelmente, não abriremos mão. Quais dos livros atuais, afinal de contas, podem competir com “Em busca do tempo perdido”, “Dom Casmurro”, “A morte de Ivan Illich” ou “Grande sertão: Veredas”, só para citar alguns?

Na verdade, a chatice dos retrospectos é o peso que a temporalidade, a circunstância, exerce sobre eles. A gente, lembrando Drummond, quer ser eterno, não moderno, e, por força de estar ao lado de livros, escrevendo-os, traduzindo-os, mergulhando em alguns e remergulhando em outros, mal se dá conta dessa coisa de calendário.
Algo que foi escrito lá em algumas noites atormentadas de fins do século 19 ou do início dos 20 – digamos, um “Inferno”, de Strindberg – nos diz mais que qualquer coisa cunhada na atualidade, no novíssimo milênio tecnológico e presunçoso.
E nos situa fora e acima do tempo. Com esse poder maravilhoso e redentor que a literatura tem de nos dar mundos próprios, autônomos, onde a Imaginação é a única rainha.

Chico Lopes

domingo, janeiro 21, 2007
















La raison d'être de la littérature
Gao Xingjian

La raison d'être de la littérature é o discurso pronunciado por Gao Xingjian, em dezembro de 2000 ao receber o prêmio Nobel de Literatura.
Gao Xingjian nasceu na China, em 1940, mas, por razões políticas trocou o seu país pela França em 1988. Sua obra mais conhecida é A Montanha da Alma.

Em La raison d'être de la littérature Gao Xingjian discute o papel do escritor, da literatura, o papel do seu país e da política na sua formação. Segundo ele “O escritor é um homem comum, talvez ele seja simplesmente mais sensível, e os homens mais sensíveis são sempre mais frágeis. O escritor não se expressa como porta-voz de um povo nem como incarnação da justiça; sua voz é forçosamente fraca, entretanto, a voz deste tipo de indivíduo é muito mais autêntica.” E continua “Eu gostaria de dizer que a literatura não pode ser senão a voz de um indivíduo, sempre foi assim.” (...) “É a literatura que permite ao ser humano conservar a sua consciência de homem.” “....a criação literária é um luxo, uma pura satisfação do espírito.”
Estas são algumas frases isoladas do discurso e perdem muito da dimensão, mas dá pelo menos uma idéia do pensamento do escritor. Ele não deixa de lembrar os grandes escritores que não tiveram, como ele, a sorte do reconhecimento em vida, como exemplo, Kafka e Fernando Pessoa, o mais profundo poeta do século XX.
E agrade a academia sueca.
Mais sobre o autor (em francês) aqui.
Leila Silva Terlinchamp - Cadernos da Bélgica

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quarta-feira, janeiro 10, 2007

Djanira

A arte de Djanira reflete a imagem do cotidiano do brasileiro, seu rico folclore, a labuta diária, a religiosidade, os hábitos e costumes, tão bem descritos pela artista que amava o seu povo.
Nascida em Avaré, 1914, interior paulista que então verdejava de pés de café, Djanira era descendente de índios e de imigrantes austríacos. Em 1932, casa-se e vai morar na capital paulista.
Chega ao Rio de Janeiro em 1939, depois de se recuperar de uma tuberculose pulmonar e passa a residir em Santa Teresa. No lendário bairro carioca, teve chance de travar contato com nomes como Emeric Marcier, Milton Dacosta, Arpad Szénes, Maria Helena Vieira da Silva e Carlos Scliar, entre muitos outros.
A primeira exposição foi no Museu Nacional de Belas Artes, quando recebeu a Menção Honrosa, em 1943. Daí para frente foram inúmeras mostras realizadas tanto no Brasil quanto no exterior.

No ano seguinte, a pintura O circo, recebe medalha de bronze no Salão Nacional de Belas Artes. Um marco importante foi 1945, quando conheceu pessoalmente expoentes da arte mundial como Chagall, Miro e Léger. Em 46, exibe sua arte em Nova York e Paris.
Durante uma viagem a Salvador, em 1950, conhece o poeta e historia
dor Jose Shaw da Motta e Silva, que se tornaria seu segundo e ultimo marido.
Os 20 anos de sua carreira motivaram uma exposição individual no MNBA e em 1976, seus 35 anos de vida
artística são igualmente festejados no Museu. Na ocasião são realizados filmes documentários da sua obra pelos cineastas Paulo Rovai, Paulo Gil e Nelson Penteado.
Um infarto, em 1979, encerrou a carreira desta que é considerada uma das maiores pintoras brasileiras; 5 anos depois seu espólio é acomodado no MNBA. Ao todo são 813 obras, doadas por Jose Shaw da Motta e Silva, viúvo da artista.

"Comecei a pintar desenhando o mundo modesto que me cercava: meus animais, minha varanda, o interior da casa, retratos de vizinhos. Estudos de observações amorosas das coisas que estimava. Tudo em preparação lenta, porque, graças a Deus, nunca fui habilidosa". Nessa confissão modesta, a pintora Djanira (1914-1979) revela instintivamente a temática de sua obra singular, considerada como uma janela para a arte brasileira. "O povo comum, o folclore, a vida cotidiana, exercem sobre mim a maior atração", costumava afirmar a pintora, dona de estilo característico em assuntos plásticos de inspiração nativa.
Corpulenta figura de mulher, meio índia e dedicada à produção multicolorida de temas populares nacionais, ela foi uma autodidata. Profundamente intuitiva, Djanira compôs uma extensa obra de cunho formalista. Rotulada no começo como primitiva e nayf, ela superou as críticas ao pintar motivos alegres e tipicamente nacionais, passando a ser considerada como monstro sagrado e lírico da pintura brasileira. O escritor Jorge Amado, seu amigo pessoal, numa só frase resumiu a essência da artista: "A obra de Djanira é o Brasil".
Vera do Val - Rose Rose Rosebud
Auto-retratos

domingo, janeiro 07, 2007

Borges

Borges – O Mesmo e o Outro
Álvaro Alves de Faria
Coleção Ensaios Transversais
Escrituras, São Paulo, 2001.

Álvaro Alves de Faria, jornalista e poeta paulistano, entrevistou Borges em setembro de 1976. Foram duas tarde de sol em Buenos Aires. Borges já tinha quase oitenta anos, não tinha mais dona Leonor por perto, mas o jornalista podia sentir a presença dela no ambiente sombrio da sala de Borges. A mãe, de quem o escritor dependeu durante toda a vida, que dizia que estava cansada de viver tanto, morreu com 99 anos. O jornalista descreve Borges, atentando para sua decadência física, o mito já velho, as unhas bem feitas. Não esconde o quanto se sente diminuto diante daquele monumento, daquele mistério que era Borges. E se pergunta por que razão ele o teria recebido. Borges quase nunca responde às perguntas de Álvaro, fala do que quer e quando quer e só até onde quer também. São lembranças esparsas e aleatórias, ora fala de um bispo que se ofendeu quando de sua visita a Jujuí porque o escritor disse aos estudantes que ‘tudo terminava com a morte’. Ora vai desfiando as contrariedades: Perón, o Nobel que nunca recebeu, o idioma espanhol. Diz preferir a língua inglesa. Para ele, ‘conhecer poemas em língua inglesa é um privilégio. E também um privilégio conhecer o mundo por meio da língua inglesa.’ Lembra que Malraux também nunca recebeu o Nobel, ‘uma grande injustiça’.
E Borges vai falando de muitas coisas ao mesmo tempo, saltando de uma para outra, amigos, livros, escrita, ‘um escritor não deve ficar remexendo em seu texto, alterando a idéia inicial. Não existe qualquer proveito nesta prática. O texto nasce como deve nascer. ’
Neruda? ‘Foi um poeta medíocre, dos piores que conheceu em toda sua vida, mas a política fez dele um grande poeta latino-americano.’ E não é só Neruda que despreza, são todos os escritores latino-americanos, excetuando seu amigo Bioy Casares. ‘Não existe nada na América Latina. O continente inteiro é um romance mal escrito.’ Da literatura brasileira não conhece quase nada, alguns poemas de Carlos Drummond de Andrade, outros de Cecília Meireles e o nome de Euclides da Cunha. Só o nome.
A mãe sempre presente, seja nos inúmeros retratos do salão, seja na fala do escritor. Há também um elevador barulhento que irrita entrevistador e entrevistado. Um entrevistador fascinado que não sabe bem a hora de partir, que se confunde com a falta de respostas e confunde as perguntas, lamenta algumas que já fez. Confuso diante do ‘maior escritor do mundo’, um velho que defende o regime dos militares, é racista. ‘Franco era merecedor de todos os meus elogios’. Diz o escritor. O jornalista explica: ‘Tento falar do fuzilamento de Garcia Lorca, mas o assunto nasce comigo e morre comigo mesmo. Nem uma palavra.’ Garcia Lorca, a quem Borges chamara de andaluz profissional, não lhe interessava naquele momento. Não mais que o elevador barulhento.
É um Borges cansado, amargurado e solitário que se arrasta pelas setenta páginas deste livrinho. Livrinho só no sentido físico. Uma parte das setenta páginas é recoberta de fotografias que o jornalista mesmo fez do escritor argentino. Um belo livro esse Borges, o mesmo e o outro.

Leila S. Terlinchamp - Cadernos da Bélgica

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quarta-feira, janeiro 03, 2007

Advertência

"Os livros de que mais gostas acabarão primeiro". A frase me surge, súbita. De fato, "200 crônicas escolhidas" e "A borboleta amarela", de Rubem Braga, se desfizeram, encardidos e ressecados; "Obras completas", de Fernando Pessoa, perdeu a capa de couro e as páginas de papel arroz estão salpicadas de manchas escuras; "Trópico de Câncer", de Henry Miller, e "Jogo de amarelinha", de Julio Cortázar, dois livros que li mais ou menos na mesma época e me serviram de estímulo e refúgio naqueles tempos obscuros, os dois estão caindo aos pedaços já...
Falo apenas dos que estão agora bem diante dos meus olhos, quase ao alcance das mãos. Mas vou lembrando de outros livros que também estão quase destruídos pelo uso e pelo tempo e que, por isso, foram aposentados das estantes e hoje vivem sossegados em um armário daquele desvão da memória a que ainda chamamos de "quarto de empregada": "Fim de caso", "Os comediantes", "O cônsul honorário", entre outros de Graham Greene; "Sob o vulcão", de Malcom Lowry, "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres", de Clarice Lispector, "Primeiras estórias", de Guimarães Rosa... São tantos...
"Os livros de que mais gostas acabarão primeiro", a frase continua ressoando, bíblica, como que trazida, de repente, por um anjo flamejante, cruel e realista.
"Os livros de que mais gostas acabarão primeiro". Há certamente nisso não sei que lição de vida que me seria muito importante guardar. Mas sua exata profundidade teima em me escapar. Pressinto-lhe a ironia, a aparente contradição que lhe confere ares de paradoxo e de onde se poderia extrair sem dificuldade conclusões untadas de niilismo. Sim, sim, vejo que, lá do fundo da frase, me acena discretíssimo desespero.
Os livros que mais gosto acabarão primeiro, claro, por força de manuseá-los mais, de emprestá-los mais; de levá-los por aí em viagens, passeios, mal-acomodados em bolsas, malas e sacolas; de largá-los nos ladrilhos frios do banheiro ou no chão, ao pé da cama. Sim, e daí?
Porque gosto deles - exatamente porque gosto mais deles - não têm a vida fácil dos livros que jamais serão lidos ou emprestados, aqueles que foram esquecidos antes de sequer serem abertos, que foram comprados pelo impulso vulgar de possuir apenas, mera posse sem desfrute, ter pelo simples prazer de ter, pelo medo de perder, luxo ostentatório do tiranete barroco que sobrevive quase esquecido em alguma ilha da minha alma, mas a quem às vezes ainda satisfaço um capricho.
Afinal, o que de tão absurdo pode haver nisso de os livros que mais gosto se acabarem antes? É uma conseqüência natural da vida dos livros, uma limitação deles que é preciso aceitar como tantas outras perdas, algumas até verdadeiramente irreparáveis.
E nem é assim tão claro que acabem porque os amo mais que os outros. Acabam porque acabam. Acabam porque acabar é próprio de tudo que é mundano. O resto são falsas metafísicas produzidas pela insônia associada ao vício de buscar perplexidade em tudo.
Mas ainda assim, que triste ver se acabarem esses livros tão amados! De uns, haverá certamente novas edições no mercado. De outros, nem isso. Talvez um ou outro exemplar pouco melhor conservado ainda sobreviva em algum sebo, mas são animais em extinção.
"Os livros de que mais gostas acabarão primeiro", repete o anjo realista a advertência em tom de despedida. E se alguma lição há nisso, vai com ele.

Antonio Caetano -
Café impresso
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