sexta-feira, março 30, 2007

Um homem sem pátria

Um homem sem pátria (Record) é o mais novo livro de Kurt Vonnegut, seu trabalho mais conhecido deve ser Matadouro 5, mas escreveu mais de trinta romances. Agora, aos 84 anos, (agora não, em 2005) publica esta coleção de ensaios, são textos corrosivos, mas, por vezes, com muito humor, por exemplo: "A última coisa que eu queria era estar vivo quando os homens mais poderosos do planeta se chamam Bush, Dick e Colon" O autor critica a política estado-unidense, os líderes do seu país, a dependência do automóvel, as invasões e mentiras perpetuadas em nome do petróleo.

Vonnegut ficou meio estigmatizado como escritor de ficção científica, sobre isso ele escreve:

Tornei-me um "escritor de ficção científica" quando alguém decretou que eu era um escritor de ficção científica. Eu não queria ser classificado como tal, por isso me perguntei de que maneira eu havia ofendido as regras para não merecer o crédito de escritor sério. Decidi que era porque eu escrevia sobre tecnologia, e os melhores escritores americanos nada sabem sobre tecnologia. Fui classificado como escritor de ficção científica simplesmente porque escrevi sobre Schenectady, Nova York. Meu primeiro livro, Revolução no futuro, era sobre Schenectady. Existem imensas fábricas em Schenectady e nada mais. Eu e meus companheiros éramos engenheiros, físicos, químicos e matemáticos. E, quando escrevi sobre a companhia General Electric e Schenectady, pareceu uma fantasia do futuro para críticos que nunca tinham visto o local.

E destila o seu pessimismo em várias partes do livro, destaco esta:

Já se deram conta de que toda grande literatura — Moby Dick, As aventuras de Huckleberry Finn, Adeus às armas, A letra escarlate, A glória de um covarde, A Ilíada e A Odisséia, Crime e castigo, a Bíblia e "A carga da brigada ligeira" — fala da merda que é pertencer à espécie humana? (E não é um grande alívio ouvir alguém dizer isso?)
E dá conselhos:
"Se querem realmente magoar seus pais e não têm coragem de se tornar gays, o mínimo que podem fazer é entrar para as artes. Não estou brincando. As artes não são uma maneira de ganhar a vida, são uma maneira de tornar a vida mais suportável. Cantem no chuveiro. Dancem ao som do rádio. Contem histórias. Escrevam um poema a um amigo, até mesmo um poema horrível. Façam isso da melhor maneira que puderem. Receberão uma enorme recompensa. Terão criado algo."

Kur Vonnegut é de origem alemã, nasceu nos Estados Unidos no dia 11 de novembro de 1922. Em 1945 testemunhou o bombardeio de Dresden enquanto prisioneiro de guerra, ele foi um dos sete sobreviventes. Esta experiência deu origem a Matadouro 5.

Sobre Dresden ele escreve em Um homem sem pátria:

Vi a destruição de Dresden. Vi a cidade antes, e então saí de um abrigo antiaéreo e a vi depois, e certamente uma das minhas reações foi a risada. Sabe Deus, é a alma buscando algum alívio.
Qualquer assunto está sujeito à risada e imagino que houve risadas de algum tipo muito grotesco entre as vítimas de Auschwitz.
O humor é quase uma reação fisiológica ao medo. Freud disse que o humor é uma reação à frustração — uma das muitas reações.

Leila Silva Terlinchamp - Cadernos da Bélgica.

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terça-feira, março 27, 2007

Tarsila do Amaral

Vendedor de frutas

Palmeiras

quarta-feira, março 21, 2007

O imaginário do Brasil

Nas primeiras páginas deste livro, a autora, Vera do Val, pergunta a seu leitor: Para onde você vai, curumim do Alto Rio Negro? Entre vários caminhos possíveis, mais que perguntar, este Imaginário da Floresta ( Editora Martins Fontes ) aponta direções a seguir. Fazendo as vezes de guia nesta jornada, Vera resgata um pouco da identidade, da inocência e da juventude tupiniquim antes vista em Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Edy Lima, José Mauro de Vasconcellos e Érico Veríssimo – e que andavam um tanto esquecidas, perdidas talvez dentro de algum guarda-roupa, entre leões e feiticeiras.
Desta forma, em vez de indicar o caminho de universos fantásticos onde sociedades secretas reúnem-se em torno de anéis mágicos, Vera nos leva pelas mãos a conhecer nossas próprias origens, visitando a gênese de tudo, num mundo “sem mortes e sem trabalho” - como conta “A Criação do Mundo”, versão Xingu do mito cristão diluviano; onde “só existia o dia” e as estrelas ainda não brilhavam no céu. Neste passeio não seremos bruxos aprendizes a estudar em castelos improváveis, mas guardiões da “Árvore de todos os frutos”, como Macunaíma, caçadores implacáveis como Begorotire e apaixonados como Jurutaui. Tampouco seremos heroínas sensuais de vídeo-games em busca de relíquias perdidas, mas teremos a beleza e a força de uma Dinahí tornada Mãe-d’água pela vontade da Lua e a magia de Onhiamuçabé protegendo o Noçokem.
O mundo que se abre a partir deste imaginário não tem os sons digitais de IPods e MP3, mas a beleza da voz e da flauta de Iapinari e o canto do Uirapuru pranteando seu amor; não acha espaço para as paixões de ocasião das novelas adolescentes, mas tinge com tons enamorados as seduções do Boto e do deus-Lua; não depende dos poderes sobrenaturais de super-heróis mutantes, mas da bravura ingênua de Ajuricaba.
Nossa jornada talvez finde na maior metáfora de todas, a assembléia dos Waís-masãs, homens-peixes que habitam as profundidades dos rios amazônicos: Norato, o chefe, convoca a reunião “para descobrir os motivos que andavam levando o povo Waí-masã a desaparecer cada dia mais”.
Na montagem deste livro, Vera do Val, uma paulista radicada em Manaus, pesquisou e recolheu lendas e mitos dos povos amazônicos. Aqui desfilam histórias de Arawetés, Kunibas, Makuxis, Kayapós, Aikanás, Uaiás, Manaós. Muitos deles já extintos ou em processo de extinção. Como os Waís-masãs da lenda, que não sabem as razões de seu desaparecimento. Ignoram os anzóis e azagaias que de outros nortes os fisgaram e abateram durante tantas décadas, sufocando aos poucos sua identidade cultural.
Este livro é dedicado aos curumins de São Gabriel da Cachoeira, mas também é dos piás da pampa sulista, dos moleques da Praça da Sé, dos meninos e meninas da Candelária, dos manezinhos da Ilha; nasce nas águas do Amazonas e do Negro, mas também bebe no Araguaia, no São Francisco, no Paraná, no Tocantins, no Tiete. Porque esta imensa floresta e seu imaginário é ela inteira a terra do Pindorama, chamada Brasil.
E haveremos de cuidar que não existam mais anzóis e azagaias e caroços de tucumã entalados em nossas gargantas nativas; haveremos, guiados pelas mãos, de resgatar a identidade curumim de cada um e de todos, negando aos que ainda resistem o mesmo destino dos Waís-masãs; haveremos de transformar nossa realidade neste imenso imaginário.

Lá de cima, os olhos dos curumins-guerreiros, vertidos em estrelas, velam por nós.


Marcelo Domingues D’Ávila -
Kayuá

O homem dentro de um cão

O escritor e jornalista Fernando Portela lançou nesta terça-feira (20), o livro O Homem Dentro de um Cão, pela editora Terceiro Nome. A publicação foi uma das escolhidas pelo júri do Programa de Ação Cultural (PAC), da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo no final do ano passado.
Portela avalia que o PAC é um programa de grande importância para as ações culturais do Estado: “ Eu já publiquei alguns livros em minha vida e nunca trabalhei tanto numa divulgação como para esta nova publicação, justamente para propagar esta incrível iniciativa que é o PAC. Este programa é um estímulo muito importante para a política cultural do Estado e traz a possibilidade real de um autor vir a publicar sua obra”.
O Homem Dentro de um Cão, o segundo livro de contos do escritor, faz parte de uma trilogia, iniciada com Allegro em 2003, e que será fechada com um livro que o autor pretende publicar ainda este ano. Em O Homem Dentro de um Cão ele reúne vinte e seis histórias de aventura e humor; tragicomédia e realismo cru. Portela se debruça sobre a condição humana, às vezes com simpatia e comiseração, mas freqüentemente sem a menor compaixão.
Neste livro, o Fernando jornalista de antena aguçada para o mundo em que vive reafirma sua marca como escritor, trazendo para suas histórias representantes de todos os segmentos sociais. São pessoas que moram em favelas, palacetes; no campo e na cidade. Tudo se mistura. O sobrenatural também está em sua narrativa, e seus personagens vivos dialogam naturalmente com os mortos.
Fernando Portela foi um dos fundadores do Jornal da Tarde, de São Paulo, onde trabalhou boa parte de sua vida como jornalista. Em outro período foi responsável pela comunicação do grupo Fiat. Embora tenha atuado por toda a vida como jornalista, ele se deu conta, em determinado momento, que a sua essência é a ficção. A “nova” atividade que já lhe proporcionou a publicação dos livros: Guerra de Guerrilhas no Brasil (reportagens sobre a guerrilha do Araguaia, 2002); Allegro (primeiro livro de contos da trilogia); A Paisagem Humana (reportagem histórica sobre a cidade de São Paulo, 2005); e Bonde, saudoso paulistano (mais uma reportagem histórica sobre a cidade de São Paulo, 2006).

Sílvia Vivona -
Secretaria Estadual de Cultura - SP

sábado, março 17, 2007

Tarsila do Amaral


Família



Oswald de Andrade

quarta-feira, março 14, 2007

António Lobo Antunes leva o Prêmio Camões 2007

O português António Lobo Antunes é o vencedor da 19ª edição do Prêmio Camões, a mais importante premiação literária da língua portuguesa. O autor vai receber 100 mil euros (cerca de R$ 270 mil) pela distinção.
O júri deste ano reuniu-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e foi constituído pelos brasileiros Letícia Malard e Domício Proença Filho, pelos lusos Fernando J.B.Martinho e Maria de Fátima Marinho, pelo moçambicano Francisco Noa e pelo angolano João Melo.
O Prêmio Camões foi criado em 1988 pelos governos de Portugal e Brasil para estreitar os laços culturais entre os vários países lusófonos e valorizar o patrimônio literário e cultural da língua portuguesa.
Nove portugueses; sete brasileiros
Com a vitória de António Lobo Antunes, sobe para nove o total de autores portugueses vencedores do prêmio. Em 18 anos, receberam ainda o prêmio sete brasileiros, dois angolanos e um moçambicano.
Os brasileiros distinguidos com o Prêmio Camões são João Cabral de Mello Neto (1990), Raquel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), Antônio Cândido (1998), Autran Dourado (2000), Rubem Fonseca (2003) e Lygia Fagundes Telles (2005).

Biografia

Autor de uma extensa e premiada obra literária, o romancista António Lobo Antunes era um dos nomes frequentemente lembrados para o prêmio entregue nesta quarta-feira.
Um dos escritores portugueses mais lidos, vendidos e traduzidos e eterno "nobelizável", António Lobo Antunes, 64 anos, é médico psiquiatra de formação, atividade que exerceu no hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, antes de se dedicar exclusivamente à escrita.
A experiência da sua passagem por Angola durante a Guerra Colonial, entre 1970 e 1973, inspirou muitos dos seus livros.
1979 é o ano que assinala o início oficial da sua carreira literária, com a publicação dos romances "Memória de Elefante" e "Os Cus de Judas".
Com 26 títulos publicados e traduzidos em 16 línguas, Lobo Antunes foi já distinguido com o Prêmio Internacional União Latina (2003), Prêmio Jerusalém (2004), Prêmio Ibero-Americano de Letras José Donoso 2006 (pelo conjunto da obra), Prêmio France Culture (1996 e 1997), Grande Prêmio de Romance e Novela APE/IPLB (1985 e 1999) e o Prêmio de Literatura Européia do Estado Austríaco (2000), entre outros.

sexta-feira, março 09, 2007

Chico Lopes e Cenas da favela

Chico Lopes, 55 anos, residente em Poços de Caldas desde 1992, tendo já publicado dois livros de contos pelo Instituto Moreira Salles/S.Paulo ("Nó de sombras" - 2000, e "Dobras da noite" - 2004), está entre grandes nomes da literatura brasileira na nova antologia, "Cenas da favela", que está sendo lançada nas livrarias em parceria Geração Editorial/Ediouro.Chico vem realizando, bem à mineira, com a tranqüilidade proporcionada por Poços de Caldas, uma obra que começa a chamar a atenção da crítica e dos leitores mais refinados da literatura brasileira, tendo merecido muitos elogios e referências da crítica por seus livros "Nó de sombras" e "Dobras da noite" (destaques em publicação como "Rascunho", "Jornal do Brasil", "Vogue Brasil" e jornais de todo o país). Desenvolvendo também um trabalho como tradutor, foi contratado pela Ediouro para a realização de várias traduções, que deverão sair brevemente.Em "Cenas da favela", antologia organizada por Nelson de Oliveira, ele está ao lado de nomes como Rubem Fonseca, Lígia Fagundes Telles, Marçal Aquino, Marcelino Freire, Carlos Drummond de Andrade e outros, entre representantes de gerações literárias mais recuadas e mais recentes. Chico foi convidado por Nelson de Oliveira, que escreveu o prefácio de seu livro "Dobras da noite", para essa participação, e entrou com o conto "Debaixo de praga". Ele diz que a favela não é um mundo estranho a ele. "Nelson não queria um livro folclórico sobre favela, ele queria era mostrar faces diversificadas, não estereotipadas, na vida da periferia. E eu conheço bem esse modo de vida, que hoje em dia não é apenas um fenômeno brasileiro, mas planetário.Trata-se de uma visão que parte da periferia para o centro, e não poderia deixar de ser crítica, já que, no novo mundo super-urbanizado e globalizado, a periferia congrega os elementos críticos e explosivos que contestam o chamado Sistema nem por ideologia, mas por fatalidade e questões de sobrevivência: o Estado ausente, a Saúde e a Educação precárias, e todos os males que conhecemos...Dentro desse mundo é que se move o homem contemporâneo dotado de antenas mais agudas. Os ricos nada sabem do mundo real, isolados como vivem." Sobre seu conto, "Debaixo de praga", diz: "É a história de um jovem com fama de violento, cuja máxima violência, na verdade, é comer gatos, e trabalhar em assaltos e outras pequenas atividades ilícitas. Trafegando entre favela e cidade, apelidado Mausoléu, ele se envolverá num assalto, pensando em dar presentes para uma tia favelada. Mas a dona de um gato comido por ele lhe rogou uma praga. E daí decorrerá o conflito todo."Chico Lopes é programador e apresentador de filmes no Cinevideoclube do Instituto Moreira Salles - Casa da Cultura de Poços de Caldas. O livro "Cenas da favela" chega a todas as livrarias do país, e marca um momento importante na carreira do autor. Ele tem vários livros inéditos para lançar em 2007 ou 2008.
Saiba mais sobre Chico Lopes.
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Leila Silva - Cadernos da Bélgica

quinta-feira, março 08, 2007

Tarsila do Amaral


O mamoeiro


A feira


Nasceu em 1886 em Capivari, São Paulo. Passou a infância e cresceu na fazenda de sua família, no interior do Estado. Em 1902 viajou para a Europa, tendo estudado em Barcelona. Quatro anos mais tarde, voltou ao Brasil.
Estudou escultura e com Pedro Alexandrino, desenho e pintura. Em 1920 foi para Paris, onde cursou a Academia Julian. De volta ao Brasil, integrou-se ao grupo modernista de São Paulo, Grupo dos Cinco, junto a Anita Malfatti, Menotti del Pichia, Oswald e Mario de Andrade.

Voltou para a Europa em 1923, onde estudou pintura com André Lhote, Albert Gleizes tendo, também, frequentado o ateliê de Fernand Léger. Tarsila conseguiu filtrar suas experiências européias e aplicá-las à cultura brasileira.

Viajou pelo Oriente Médio em 1926 e no mesmo ano, casou-se, em São Paulo, com o poeta Oswald de Andrade. Dois anos depois, pintou Abaporu, primeira tela do movimento Antropofágico, desencadeado por Oswald. Foi diretora-conservadora da Pinacoteca do Estado. Pintou as primeiras telas sobre problemas sociais a partir de 1933.

Costureiras, iniciada nessa época e finalizada em 1950, exemplifica a preocupação social da artista. Escreveu artigos sobre arte e cultura no Diário de São Paulo e, nas décadas de 40 e 50, retomou as fases Antropofágicas e Pau-Brasil. Participou das I e VII Bienais de São Paulo, e da XXXII Bienal de Veneza em 1964. Morreu em 1973, em São Paulo.

Site oficial: Tarsila do Amaral
Imagem -Auto-retrato - Manteau Rouge

terça-feira, março 06, 2007

Veredas que se bifurcam

No prólogo ao livro Ficções (1944), Jorge Luis Borges escreveu: "Desvario laborioso e pobre o de compor livros extensos; o de espraiar em quinhentas páginas uma idéia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que esses livros já existem e oferecer um resumo, um comentário".
De fato, ele ofereceu resumos e comentários valiosos sobre grandes romances e narrativas, como o Livro das mil e uma noites e Salammbô; comentou a prosa de Joseph Conrad, de Marcel Proust e de tantos outros. E até traduziu Palmeiras selvagens, de William Faulkner. Apesar de não ter escrito um livro extenso, Borges expôs num conto os procedimentos de como não escrever um romance.
O jardim de veredas que se bifurcam (1941) é um breve relato policial. Mas será apenas isso? A trama é ardilosa, e nela aparecem os temas e recursos técnicos borgianos: a citação de textos verdadeiros e apócrifos, uma argumentação sobre o livro e o labirinto, uma sondagem sobre a cultura chinesa, um diálogo entre o Oriente e Ocidente, uma reflexão filosófica...
Como não sou desmancha- prazer, não vou contar o fim, que é surpreendente e um dos mais notáveis da literatura policial.
O conto começa com uma citação de Liddell Hart, um capitão britânico que historiou as duas guerras mundiais e escreveu um tratado sobre estratégia militar. Depois dessa citação veraz, o narrador de Borges transcreve um texto incompleto de um certo Yu Tsun, neto do famoso poeta e calígrafo T'sui Pen. O conto é uma espécie de testamento de Yu Tsun, espião do império alemão. Tsun sabe que está sendo perseguido pelo capitão inglês Richard Madden e que será preso e assassinado; sabe também que, para revelar um segredo do inimigo ao chefe alemão, ele deve encontrar (e matar) Stephen Albert, um renomado orientalista inglês. Por um momento o leitor esquece que está lendo um relato policial. As inquirições são outras, de natureza intelectual e filosófica.
O diálogo entre o Yu Tsun e o sinólogo Stephen Albert discorre sobre a obra de Ts'ui Pen, autor de um livro que é também um labirinto. O trecho a seguir suscita um breve comentário filosófico e um devaneio literário.
Em todas as ficções, cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e elimina as outras; na do quase inextricável Ts'ui Pen, opta - simultaneamente - por todas. Cria, assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam. Daí as contradições do romance. Fang, digamos, tem um segredo; um desconhecido chama à sua porta; Fang decide matá-lo. Naturalmente há vários desenlaces possíveis: Fang pode matar o intruso, o intruso pode matar Fang, ambos podem salvar-se, ambos podem morrer, etc. Na obra de Ts'ui Pen, todos os desfechos ocorrem; cada um é o ponto de partida de outras bifurcações. Às vezes, as veredas desse labirinto convergem: por exemplo, o senhor chega a esta casa, mas num dos passados possíveis o senhor é meu inimigo, em outro meu amigo... (editora Globo, trad. de Carlos Nejar)

Milton Hatoum - Revista Entrelivros

sexta-feira, março 02, 2007


The Dancing Girl of Izu and Other Stories
Yasunari Kawabata

Ao que parece, The Dancing Girl of Izu (A dançarina de Izu) vai ser publicado em português este ano pela Estação Liberdade. Digo, em português do Brasil, em Portugal já foi publicado há muito tempo pela Vega Editora.
Foi com este livro, publicado em 1925, que Kawabata começou a ser reconhecido. O livro é dividido em duas partes, a primeira claramente autobiográfica e a segunda com contos bem curtos, alguns baseados em lendas japonesas, com elementos fantásticos. O belo conto que dá título ao livro está na primeira parte, é, aliás, o primeiro conto e um dos mais longos do livro. O narrador encontra um grupo de artistas itinerantes e se encanta com uma das meninas, Kaoru, que, por causa da maquiagem, ele imaginava mais velha, ela tem apenas treze anos. Em outro conto, Diary of my sixteenth year (Diário dos meus dezesseis anos), o autor narra, em detalhes, a decadência física do avô. Nessa época Kawabata já tinha perdido o pai, a mãe, uma irmã e a avó, agora vivia só com o avô que estava morrendo. Vinte e sete anos mais tarde o autor retoma essas notas sobre o padecimento do avô, a falta de paciência de um e de outro, os arrependimentos, o cansaço. Ele reencontra as folhas e vai refazendo, colocando explicações entre parênteses e ao final. E, ao reler tantos anos depois o que escreveu, ele faz uma reflexão sobre a memória, não fossem aqueles escritos, muito do que se tinha passado entre ele e o avô já teria se apagado para sempre. As anotações eram muito francas, na época, o avô já estava cego e, portanto, impossibilitado de ler, assim Kawabata não precisava temer que seu diário o ofendesse.

Yasunari Kawabata é também o autor de A casa das belas adormecida, livro que inspirou Memórias de minhas putas tristes de Gabriel García Márquez. Ele nasceu em Osaka em 1899, estudou literatura na Universidade Imperial de Tóquio e foi o primeiro escritor japonês a receber o prêmio Nobel (1968). Suicidou-se, em 1972, quatro anos após o suicídio de seu amigo Mishima.
Seu livro Tristesse et Beauté adaptado para o cinema em 1985, na França.

No Brasil foram publicados os seguintes livros de Kawabata:
A CASA DAS BELAS ADORMECIDAS

Leila Silva Terlinchamp - Cadernos da Bélgica

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